Aditivos alimentares em produtos à base de carne

Esta revista dedica-se aos riscos associados aos produtos à base de carne, pelo que e sabendo-se do consumo deste tipo de produtos e da sua distribuição no mercado global, valerá a pena realçar o uso dos aditivos alimentares, entre outras funções tecnológicas, como meio de prolongar a durabilidade dos preparados de carne e produtos à base de carne permitindo deste modo a sua comercialização mundial.

A carne é o produto mais valioso que se retira da pecuária. A sua constituição, rica em proteínas de alta qualidade e ami-noácidos essenciais, minerais e vitaminas de elevada biodisponibilidade, gorduras e ácidos gordos, assim como em componentes bioativos e pequenas quantidades de hidratos de carbono, faz da carne um género alimentício de elevado valor nutricional [1],[2].

Consoante a carne seja ou não processada e o tipo de processamento (que pode ser físico, químico ou bioquímico) [3], existem 5 classes distintas previstas no Regulamento (CE) n.o nº 853/2004 que importa diferenciar, nomeadamente: carne fresca – carne não submetida a qualquer processo de preservação que não a refrigeração, a congelação ou a ultra-congelação, incluindo carne embalada em vácuo ou em atmosfera controlada; carne picada – carne desossada que foi picada e que contém menos de 1% de sal; carne separada mecanicamente ou “CSM” – produto obtido pela remoção da carne dos ossos carnudos depois da desmancha ou de carcaças de aves de capoeira, utilizando meios mecânicos que provoquem a perda ou a alteração da estrutura das fibras musculares; preparados de carne – carne fresca, incluindo carne que tenha sido reduzida a fragmentos, a que foram adicionados outros géneros alimentícios, condimen-tos ou aditivos ou que foi submetida a um processamento insuficiente para alterar a estrutura das suas fibras muscula-res e eliminar assim as características de carne fresca; pro-dutos à base de carne – produtos transformados, resultantes da transformação da carne ou da ulterior transformação desses produtos transformados, de tal modo que a superfície de corte à vista permita constatar o desaparecimento das características da carne fresca.

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Enquadramento histórico dos aditivos alimentares

A prática de adição de determinados químicos e substâncias naturais com propriedades tecnológicas nos alimentos, como o sal, remonta a centenas de anos atrás, ainda que os padrões de utilização tenham mudado significativamente ao longo do tempo. Atualmente o recurso a aditivos alimentares tem tido especial destaque uma vez que permite a centralização do processamento e a distribuição alimentar mundial. O desenvolvimento da Química e da Bioquímica tem possibilitado novas e mais eficientes técnicas de produção de alimentos com base no conhecimento científico sobre a composição e propriedades dos alimentos [4].

Assim nos meados do século XX reconheceu-se a necessidade de legislação e regulamentação específica dos aditivos alimentares, pelo que os problemas que existiam até então começaram a ser resolvidos com maior determinação.[4]

De uma forma geral, o setor alimentar está assente em dois pilares basilares. O primeiro é relativo ao conceito de “food security” (que tendencialmente se dá como adquirido nos países desenvolvidos), e que consiste na garantia da disponibilidade e acessibilidade de géneros alimentícios em quantidade e com valor nutritivo suficientes para suprir as necessidades diárias da população [5]; o segundo pilar é o conceito de “food safety”, vertente sobre a qual incidem maiores preocupações e relativamente à qual há uma obrigatoriedade de controlo por parte das autoridades oficiais, na medida em que os alimentos podem comportar riscos microbiológicos e/ou químicos.

A par destes riscos existe ainda outra preocupação, relativamente à possibilidade de se usarem os aditivos de forma inadequada ou dos mesmos não estarem devidamente identificados na rotulagem dos alimentos, induzindo assim em erro os consumidores.

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Portugal, como estado membro da União Europeia (UE), tem várias formas de verificar a segurança dos géneros alimentícios, nomeadamente através do PNCA (Plano Nacional de Colheita de Amostras), sob a responsabilidade da ASAE. Este plano visa fazer um controlo analítico e de rotulagem dos géneros alimentícios colocados no mercado, com o objetivo de garantir que os mesmos são seguros para a saúde do consumidor e que cumprem com os requisitos legais aplicáveis. É uma forma de controlo oficial por amostragem, baseada no risco, cumprindo assim o estipulado no Art.º 8 do Regulamento (CE) n.o 882/2004.

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Legislação sobre aditivos alimentares

Os aditivos alimentares são substâncias que não são consumidas habitualmente como géneros alimentícios em si mesmos mas que são intencionalmente adicionadas aos mesmos para atingir determinado objetivo tecnológico, como por exemplo, a conservação dos géneros alimentícios. Todos os aditivos aprovados têm de obedecer aos critérios estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 231/ 2012, sobre as especificações para os aditivos alimentares enumerados nos anexos II e III do Regulamento (CE) nº (CE) N.º 1333/2008. De entre os aditivos podemos distinguir 3 grupos principais: os “edulcorantes”, os “corantes” e o terceiro grupo, denominado de “outros”, que são os aditivos que não são nem edulcorantes nem corantes. Dentro deste último grupo (“outros”), podemos encontrar uma significativa lista de aditivos que engloba a classe dos conservantes, antioxidantes, transportadores, reguladores de acidez, emulsionantes, gases de embalagem, estabilizadores, entre outros.

Só os aditivos alimentares incluídos na lista comunitária constante do anexo II do Regulamento (CE) n.º 1333/2008, podem ser colocados no mercado enquanto tais e utilizados nos géneros alimentícios nas condições de utilização nele especificadas. Para fazer face ao progresso científico e aos avanços tecnológicos no ramo alimentar, este regulamento tem sido sucessivas vezes atualizado.

A utilização de aditivos nos géneros alimentícios não é um processo linear, e muito menos o controlo do mercado, já que nem sempre a presença de determinados aditivos em algumas categorias de alimentos, indicia uma adição intencional. Acontece que é possível detetar um aditivo num género alimentício, sem que seja adicionado com intenção de obter um efeito tecnológico ao produto final, mas sim ter sido transportado através de um ingrediente, no qual teve um efeito tecnológico. O artigo 18.º do Regulamento (CE) n.o1333/2008 identifica o carry-over como sendo um princípio possível, desde que seja uma categoria de alimento, no qual seja possível o carry-over, isto é, que não seja um alimento listado na tabela A do citado regulamento e desde que a quantidade detetada não consiga causar um efeito tecnológico no produto final onde foi encontrado.

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1. Sulfitos

Os sulfitos são considerados antioxidantes, prolongam o prazo de conservação dos géneros alimentícios protegendo-os contra a deterioração causada pela oxidação, tal como a rancidez e as alterações de cor. Enquanto aditivos alimenta-res aprovados, os sulfitos podem ser utilizados em diversas categorias de géneros alimentícios. De acordo com o Regulamento (CE) n.º 1333/2008, o uso de E 220-228 (dióxido de enxofre, sulfitos) é proibido na carne picada mas está autorizado nos preparados de carne, tipo breakfast sausages (burger meat com um teor mínimo de 4 % de cereais e/ou outros produtos vegetais misturados com a carne) e também na salsicha fresca (longaniza fresca e butifarra fresca). Este aditivo tem um limite máximo numérico estabelecido de 450 mg/kg.

Os sulfitos estão amplamente difundidos na indústria alimentar, sendo uma substância considerada alergénica, pelo que a exposição de indivíduos sensíveis aos mesmos pode induzir uma panóplia de sinais clínicos adversos que vão desde dermatite, urticária, rubor, dor abdominal e diarreia, até asma e reações anafiláticas em situações extremas. Assim, um indivíduo alérgico tem particulares cuidados durante toda a sua vida no sentido de evitar a ingestão de alimentos que contenham sulfitos [6].

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2. Nitritos e nitratos

Os nitratos têm também a capacidade de prolongar o prazo de durabilidade dos géneros alimentícios protegendo-os contra a deterioração causada por microrganismos. Conforme estipulado no Regulamento (CE) n.o 1333/ 2008, os nitratos e nitritos não estão autorizados na carne fresca, nem nos preparados de carne, estando contudo autorizados para serem utilizados nos produtos à base de carne submetidos ou não a tratamento térmico. Uma outra subcategoria dedicada aos produtos à base de carne curados tradicionalmente beneficia também de disposições específicas no que se refere aos nitritos e nitratos.

Para o caso dos nitratos e nitritos é mais complexo fazer o controlo da utilização indevida nos alimentos, uma vez que existe um processo de oxi-redução, facto que levou a que no Regulamento (CE) no 1333/2008 esteja estabelecida um teor máximo de nitritos/nitratos que podem ser adicionados durante o processo produtivo (na indústria) e não o teor máximo permitido no alimento colocado no mercado.

O risco que está associado ao consumo de alimentos com nitratos resulta da conversão de nitratos em nitritos, logo após a ingestão, ocorrendo na saliva de indivíduos de todas as faixas etárias, e também no trato gastrointestinal de crianças. Este último grupo populacional converte aproximadamente o dobro dos nitratos ingeridos em nitritos, face ao que se verifica para o caso dos adultos (10% versus 5%).[9]

Os efeitos que a ingestão de nitratos pode implicar a curto prazo, consistem na conversão da forma normal da hemoglobina para metahemoglobina que não tem a capacidade de transportar oxigénio. Concentrações suficientemente elevadas de nitratos podem resultar em desordens sanguíneas temporárias, especialmente em crianças, que se traduzem por metahemoglobinémia que é também designada por “síndrome do bebé azul”. Nestes casos, se os indivíduos não forem devidamente tratados podem verificar-se eventos de alguma gravidade que podem no pior cenário terminar na morte do indivíduo por falta de oxigénio nos tecidos. As mulheres grávidas estão também, à semelhança das crianças, no grupo de indivíduos mais sensíveis aos potenciais efeitos de nitratos em quantidades não habituais (fora dos parâmetros legais), uma vez que durante a gravidez se verifica um aumento natural nos níveis de metahemoglobina no sangue. Neste grupo inserem-se também os indivíduos com predisposição genética a ter os níveis de metahemoglobina anormalmente elevados, ou aqueles que têm dificuldades digestivas devido a reduzida acidez estomacal.

A longo prazo os nitratos podem ser carcinogénicos. Acredita-se que após a conversão dos nitratos em nitritos no organismo, os mesmos podem reagir com certas substâncias com grupos amina (encontradas nos alimentos), formando nitrosaminas que são conhecidas por serem potentes carcinogénicos.

(Nota: A formação de nitrosaminas é inibida por antioxidantes que podem estar presentes nos alimentos como a Vita-mina C e E)[7].

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Resultados PNCA

Os resultados relacionados com a pesquisa de aditivos nos géneros alimentícios colocados no mercado, obtidos no âm-bito do controlo realizado pelo PNCA , encontram-se descritos e tratados estatisticamente no artigo incluído nesta edição de “Riscos & Alimentos”, intitulado: “A segurança alimentar dos produtos cárneos no mercado retalhista, face aos resultados do Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA)”, pelo que, não será desenvolvido neste artigo. Realça-se, no entanto, que em 2014, no âmbito do PNCA, terem sido colhidas 42 amostras de carnes para deteção de sulfitos, não tendo havido nenhum resultado não conforme em carne picada.[8] Apenas foram detetados sulfitos em produtos que eram preparados de carne e não carne picada, sem que o quantitativo excedesse o limite estabelecido para o produto em causa (não excedia o limite de 450 mg/kg).

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Discussão e perspetivas futuras

O uso de aditivos em alimentos, encontra-se regulamentada e é controlado pelas Autoridades Competentes. A ASAE, nos seus laboratórios, tem vindo a desenvolver cada vez mais métodos analíticos que permitem detetar e quantificar o maior número de aditivos nas várias categorias de alimentos. Para além do controlo analítico, a ASAE, sensibilizada para o problema da monitorização do consumo de aditivos através da ingestão dos alimentos, tem vindo inclusivamen-te a desenvolver estudos que permitam caracterizar a exposição dos consumidores nacionais ao consumo de aditivos na dieta nacional. De acordo com o determinado no artº 27 do Regulamento (CE) n.o. 1333/2008, os Estados-Membros devem manter sistemas de controlo do consumo e da utilização de aditivos alimentares numa abordagem baseada no risco e devem comunicar com a devida frequência os dados recolhidos à Comissão Europeia e à EFSA. Para isso é neces-sário uma metodologia comum para a recolha de informações pelos Estados-Membros relativamente ao consumo de aditivos alimentares na Comunidade. Ainda há no entanto muito para fazer, os Estados-Membros têm que iniciar esta monitorização, e perceber o efeito cumulativo dos vários aditivos face ao consumo individual nos diferentes alimentos para os quais estão aprovados.

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Referências

[1] http://www.fao.org/ag/againfo/themes/en/meat/home.html
[2] http://www.fao.org/ag/againfo/themes/en/meat/background.html
[3] http://www.fsis.usda.gov/wps/portal/fsis/topics/food-safety-education/get-answers/food-safety-fact-sheets/food-labeling/additives-in-meat-and-poultry-products/additives-in-meat-and-poultry-products
[4] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3300261
[5] http://www.nature.com/scitable/knowledge/library/food-safety-and-food-security-68168348
[6] http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2222.2009.03362.x/abstract
[7] http://des.nh.gov/organization/commissioner/pip/factsheets/ard/documents/ard-ehp-16.pdf
[8] Audição ASAE @ A.R. – 4 fevereiro 2015

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Artigo elaborado por:

Graça Mariano 1, Miguel Monteiro 2
1 Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, Departamento de Riscos Alimentares e Laboratórios
2 Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa

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Fonte (ASAE): http://bit.ly/2xujcPw

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Márcia Cardoso

Márcia Cardoso

Márcia Cardoso, licenciada em Marketing. Actualmente desenvolve funções na Ábaco Consultores.  Visualizar perfil de Márcia Cardoso

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