Avaliação das condições de iluminância das actividades de espeleólogos em ambiente de gruta

condições de iluminância

O objectivo deste estudo foi avaliar as condições de iluminância das actividades desenvolvidas por espeleólogos expostos a ambiente de gruta. Foi realizado um estudo descritivo transversal. Foram avaliados os níveis de iluminância das actividades exercidas por 16 espeleólogos, em duas grutas desprovidas de luminância natural. A idade média dos trabalhadores foi de 40,65 (+-10,93) anos. No ambiente de gruta a maioria dos trabalhadores utilizavam uma lanterna instalada no capacete (451,o+-305,7 lux). Não foram detectados sinais e sintomas de patologias visuais ligados à exposição do ambiente de gruta. Os níveis de iluminância são adequados para a maioria das actividades realizadas.

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1. Introdução

A exposição ao calor, produtos química, poeiras e más condições de iluminação são algumas das condições de trabalho numa gruta que podem influenciar a integridade do sistema visual e predispor o olho a doenças que eventualmente afetam a visão (Ovenseri-Ogbomo et al.2012)-

Más condições de iluminação causam uma variedade de sintomas de desconforto visual e podem aumentar os riscos de acidentes (Van Bommel, 2016; Pais & Melo, 2011; Reinhold & Matiz 2009; Veitch, 2001). O desconforto visual resulta em sinais e sintomas como fadiga ocular, visão turva, irritabilidade visual, cefaleias, dores musculares,  stress e dificuldade de concentração (Van Bommel, 2006; Boyce at al., 1997; Kerkhof, 1999; Pais & Melo, 2011). Há também outros sintomas causados  pela falta de iluminação: cansaço rápido, fadiga visual, alterações da superfície ocular, que induzem sintomas de prurido e lacrimejo. Outros sintomas específicos incluem a visão desfocada, a diplopia (visualizar duas imagens) e lentidão na mudança de foco (Blehm et al., 2005; Reinhold & Tint, 2009; Woodside & Kocurek, 1997).

Em ambiente de gruta, os espeleólogos normalmente realizam a sua actividade em condições visuais de pouca iluminação e à visão nocturna.

O objectivo deste estudo foi avaliar as condições de iluminância das actividades desenvolvidas pelos espeleólogos expostos a ambiente de gruta.

Uma das grutas onde decorreu o estudo, a gruta do Algar do Pena, pertence ao concelho de Santarém, é a maior do país, com uma área de 1400m2. Esta apresenta uma abertura com desenvolvimento vertical, ou seja, com a forma de um poço com 35m de profundidade, abre uma grandiosa gruta calcária com figuras cársicas – estalactites, estalagmites, colunas e bandeiras (Santos et al., 2009). Esta gruta,devido à sua grande profundidade, é totalmente desprovida de iluminação natural.

O outro local onde decorreu o estudo, as grutas da Quinta da Regaleira em Sintra, de construção artificial na sua maioria. O labirinto de túneis, conduz ao poço iniciático que é uma galeria de 27m de profundidade e ao poço imperfeito com 8m. No interior, a abóbada apresenta maciços de rocha mão em granito granular médio de cor rosa ou parda, e zonas preenchidas  com pedra da orla marítima da região de Peniche (André. s.d; Maria, 2012), Em algumas zonas, nomeadamente junto dos poços, existe alguma iluminação natural proveniente das aberturas.

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2. Metodologia

Estudo transversal realizado entre Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014.

Foi aplicado um questionário para descrever os dados sociodemográficos , história passada e actual de trabalho, local de trabalho, condições de iluminação, actividades realizadas, acidentes durante a actividade de espeleologia, hora e tempo de permanência na gruta, queixas e sintomas visuais.

Neste estudo foi realizada a avaliação de níveis de iluminância das lanternas usadas pelos dezasseis trabalhadores, em duas grutas em Portugal desprovidas de iluminação natural.

Todos os espeleólogos estudados usam iluminação transportável para as actividades da caverna.

As lanternas utilizadas tinham um máximo de quatro posições e algumas tinham um difusor. Todas as posições das lâmpadas foram medidas com e sem difusor. Estas medições foram realizadas em diferentes de iluminação (lâmpadas utilizadas no capacete e/ou na mão), a uma distância de meio metro e um plano inferior, simulando a posição de caminhada.

As medições dos níveis de iluminância foram realizadas com um luxímetro de marca Gossenr, modelo Mavolux 5032C, número de série 4D1008. O equipamento é equipado com correção de cor, a respectiva resposta espectral foi testado para o olho humano (λ).

Os resultados obtidos foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS V19).

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3. Resultados e Discussão

os participantes tinham uma idade média de 40,65 (+- 10,93) anos, maioritariamente do sexo masculino (65,2%). O número médio de anos de experiência na espeleologia foi de 15,20+-11,20 anos (mediana=14,00), em que esta actividade é praticada durante o dia , aproximadamente durante 12 dias por ano, numa média de 4,30 +-2,49 horas por dia. Acidentes durante a actividade foram reportados por 21,7% dos participantes. Para o tipo de actividade realizada, na maioria dos casos as tarefas desenvolvidas consistiam em caminhar (progressão vertical e horizontal em galerias), escrever, ler, topografar, cartografar, observar morcegos e fotografar.

Na gruta, apenas um trabalhador usou uma lanterna de mão, que tinha um valor muito baixo de iluminância (28 lux). A maioria dos trabalhadores usava uma lanterna no capacete ou na cabeça, com um tipo de feixe largo na situação sem difusor e com um tipo de feixe focalizado no caso da situação com difusor. A maioria usava uma lanterna especialmente na posição 2 e sem difusor. Nesta posição, os valores de iluminância foram de 451,00+-305,7 lux (Tabela 1). De acordo com a norma DIN 5035-2, 1990, este nível de iluminância pode ser usado para tarefas visuais normais com detalhes médios (500-750 lux), o que vai de encontro com a maioria das tarefas desempenhadas por estes trabalhadores. Para tarefas com requisitos visuais ligeiros e de alto contraste são necessários valores entre 120-250 lux (analogia  com o exemplo referido das minas), enquanto para tarefas visuais normais com detalhes médios, valores entre 500-750 lux são uma exigência. Para tarefas visuais exigentes com pequenos detalhes são necessários valores de iluminância de 1000-1500 lux. e para tarefas visuais muito exigentes com detalhes muito pequenos são necessários níveis de 2000-3000 lux (DIN 5035-2, 1900). No entanto, neste estudo apenas 7 trabalhadores com lâmpada sem difusor com as quatro posições no equipamento teve valores normalizados de iluminância para todas as actividades/tarefas realizadas na gruta, de acordo com a mesma norma. Deve dizer-se que estes níveis de iluminação foram obtidos apenas com o foco da lanterna e uma distância de meio metro e sem luz ambiente.

A posição 1 da lanterna apresenta níveis de iluminância adequados a tarefas visuais leves com alto nível de contraste, a posição 2 é adequado para tarefas visuais normais com detalhes médios, a posição 3 é melhor para tarefas visuais exigentes com pequenos detalhes e a posição 4 para tarefas muito exigentes com detalhes muito pequenos.

As lanternas frontais com difusor apresentaram valores de iluminância mais baixos do que as lanternas sem difusor, em qualquer posição do equipamento.

Uma boa iluminação incluí requisitos de quantidade e qualidade e deve ser apropriada para a tarefa/actividade que está a ser realizada, tendo em conta o conforto e eficiência visual do trabalhador (Pais & Melo, 2011; Piccoli et al., 2004).

iluminância

As queixas mais referidas pelos espeleólogos em contexto de gruta foram visão turva (62,5%) e prurido ocular (43,8%). Não foram referidos episódios de conjuntivite recorrente. O ambiente de mina tem um enorme impacto sobre a saúde dos trabalhadores (Ovenseri-Ogbomo et al., 2012).  No entanto, neste estudo não havia sinais visuais e sintomas aparentes de patologias visuais relacionadas com a exposição à gruta nos espeleólogos, o que pode apontar para diferentes condições de trabalho dos mineiros.

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4. Conclusões

Conclui-se que os níveis de iluminação para os trabalhadores que usaram a lanterna frontal na posição 2 e sem difusor foram adequados para a maioria das actividades/tarefas executadas.

A lanterna frontal com 4 posições e sem difusor é o equipamento mais adequado para os espeleólogos, pois permite obter valores médios de iluminância em cada posição adequados às diferentes tarefas/actividades desenvolvidas por estes trabalhadores.

Deste modo, constata-se que nas situações em que foi utilizado o tipo de feixe largo, ou seja, no caso da lanterna sem uso de difusor, este foi mais indicado face ao tipo de feixe localizado.

 Nestes trabalhadores espeleólogos não houve sinais e sintomas de patologias visuais relacionadas com a exposição ao ambiente de gruta.

Devem ser realizados mais estudos de investigação neste contexto para perceber melhor a influência das condições de iluminação da gruta nos sintomas referidos pelos espeleólogos.

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5. Referências

  •  André, D., s.d Quinta da Regaleira. Mensagem postada em: http://www.serradesintra.net/quintas-de-sintra/quinta-da-regaleira
  • Blehm, Clayton, Seema Vishnu, Ashbala Khattak, Shrabanee Mitra, and Richard W. Yee. 2005. “Computer Vision Syndrome: A Review.” Survey of ophtalmology 50(3): 253-62
  • Van Bommel, Wout J.M. 2006. “Non-Visual Biological Effect of Lighting and the Pratical Meaning for Lighting for Work. “Applied ergonomics 37:461-66.
  • Boyce, P. R., J. W. Beckstead, N.H.Eklund, R.W. Strobel, and M. S. Rea. 1997. “Lighting the Graveyard-Shift: The influence of a Daylight-Simulating Skylight on the Task Performance and Mood of Night-Shift Workers.” Light. Res. Technol. 29:105-34.
  • DIN 5035-2. 1990. “Artificial Lighting – Lighting of Work Places.
  • Kerhof, G. A. 1999. “Licht en Prestatie.” in Symposium Lichten Gezindheid. Amsterdam: SOLG.
  • Ovenseri-Ogbomo, GO, S. Ocansey, EK Abu, S. Kyei, and Sb Boadi-Kusi. 2012. “Oculo-Visual Findings among Industrial Mine Workers at Goldfields Ghana Limited, Tarkwa.” Ophthalmology and eye diseases 4:35-42.
  • Pais, A., and R.B. Melo. 2011. “Lighting Conditions in a Office Environment on Visual Comfort.” Pp. 456-59 in Proc. of the International Symposium on Occupational Safety and Hygiene, edited by J.S. Arezes et al. Guimarães: Sociedade Portuguesa de Segurança e Higiene Ocupacionais.
  • Piccoli, B., G. Soci, p. Zambelli, and D. Pisanello, 2004. “Photometry in the Workplace: The Rationale for a New Method.” The annals of Occupational Hygiene 48(1):29-38
  • Reinhold, K., and P. Tint. 2009. “Lighting of Workplaces and Heatlh Risks.” Eletronics and Eletrical Engineering 2(90):11-14.
  • Veitch, J. 2001. “Psycological Processes Influencing Lighting Quality.” Journal of the Illiminating Engineering Society 30(1):124-40
  • Woodise, G., and K. Kocurek. 1997. Environmental Safety and Heath Engineering. New York: JohnWiley &Sons INC.
  • Santos, C., Carvalho, J., Cordeiro, A., Girão, R., Raimundo, J., Silva, J., 2009 “Gruta Algar do Pena – Uma viagem ao interior da Terra.” Instituto Educativo do Juncal

 

Em parceria com:

Lança, Carla; Fernandes, Nádia.

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Ana Monteiro

Ana Monteiro

Licenciada em Saúde Ambiental pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa - IPL, Doutoranda em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Publica, mestre em Ciências da Educação na Especialidade em Educação para a Saúde pela Faculdade de Motricidade Humana – UTL. Docente no curso de licenciatura em Saúde Ambiental da ESTeSL, possui também experiência enquanto Técnica de Saúde Ambiental, Técnica Superior de Segurança do Trabalho e Formadora.

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