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Avaliação e Controlo de Riscos Profissionais: Desconstrução de um mito

A Avaliação e Controlo de Riscos Profissionais (ACRP) é uma área (ou tema) que é frequentemente encarada como algo ‘inacessível’ à generalidade dos intervenientes no mercado de trabalho (trabalhadores e empregadores). Tal facto decorre da necessidade de utilizar instrumentos específicos para a realização do processo de avaliação (ex: MARAT1, HAZOP2 ou FMECA3), os quais, em regra, não são do conhecimento e domínio dos trabalhadores/empregadores. Esta situação cria barreiras à participação desses profissionais, devido à falta de informação, conhecimento e suporte técnico que os mesmos percecionam, nessa matéria.

Em consequência, existe um défice de participação dos profissionais e empregadores na concretização da análise de riscos e na contribuição para a melhoria das condições de trabalho, o que se reflete negativamente nos índices de sinistralidade (número de acidentes de trabalho (AT) e de doenças profissionais (DP)).

É fundamental desmistificar a ideia de que o processo de ACRP se insere, apenas, na esfera de atividade de profissionais com formação específica e especializada na área de segurança e saúde no trabalho. A participação dos trabalhadores ‘comuns’ é possível e de capital importância na etapa de identificação de riscos e na fase de controlo de riscos, como seguidamente se explicita.

Vejamos, então, numa abordagem inversa, a importância dos trabalhadores no processo de análise de riscos, tomando como ponto de partida a desagregação das atividades de ‘ACRP’ em duas fases:

I – Avaliação de Riscos Profissionais e,
II – Controlo de Riscos Profissionais.

Considere-se, de seguida, a fase de Avaliação (I), dividida em 3 etapas:

  1. Identificar os perigos e riscos existentes nos locais de trabalho a analisar;
  2. Medir as variáveis (ou parâmetros) que nos permitem quantificar a realidade presente no espaço de trabalho, relativamente ao identificado na etapa 1.
  3. Comparar os valores medidos na etapa 2 com os Valores de Referência (VR) ou Valores Limite de Exposição (VLE) existentes e/ou estabelecidos.

Para a implementação da ACRP aplicam-se, sequencialmente, as três etapas de avaliação anteriores, seguindo-se-lhes a fase II – Controlo, onde se definem e implementam as medidas de prevenção e/ou proteção necessárias à correção dos desvios identificados na etapa 3 da fase precedente (I).

Descritas as fases e etapas a considerar na ACRP, há que identificar os ‘atores’ principais – em cada uma delas – e realçar a relevância dos contributos dos trabalhadores no processo ACRP.

Na primeira etapa – Identificação – da fase de avaliação, os trabalhadores, devido à sua experiência e conhecimento operacional das tarefas que realizam no seu dia-a-dia, constituem-se como elementos fundamentais no levantamento de riscos dos seus postos de trabalho. Os seus contributos no reconhecimento e listagem de aspetos contraproducentes (mesmo que de pormenor, fazem toda a diferença, em matéria de SST4) complementam a informação a considerar na análise de riscos global, macro, executada por analistas e projetistas.

Para suportar e ilustrar esta ideia, considere-se o exemplo de um operador de uma máquina de movimentação de terras (ex: escavadora hidráulica) e a informação relevante que o mesmo pode fornecer em relação às condições ergonómicas do equipamento (banco/assento e comandos de operação) ou do nível de vibrações mecânicas percecionado, em situações reais de trabalho (ex: escavações em terrenos inclinados e/ou de elevada dureza, …). Independentemente do equipamento ter sido projetado por ‘gabinetes’ de especialistas dos fabricantes, com o objetivo de otimizar o seu desempenho (produção, segurança, …), torna-se evidente que o ‘feedback’ dos operadores é essencial para a correção de aspetos menos positivos – identificados pelos operadores em situações reais e específicas de trabalho – por forma a minimizar o surgimento de LMERT5, neste caso.

Prosseguindo com o mesmo exemplo e focando-nos na análise de vibrações mecânicas, a etapa 2 exige a utilização de técnicas e equipamentos específicos (acelerómetros) para a quantificação de vibrações de corpo inteiro e a etapa 3 compara os resultados obtidos com os valores de ação (VA) e limite de exposição (VLE) que não podem ser ultrapassados6. Estas etapas, pela sua especificidade, são realizadas por profissionais da área de SST. No entanto, note-se que a identificação de riscos é o ponto de partida para todo o desenvolvimento seguinte, pois as etapas de medição de parâmetros (etapa 2) e de comparação com VR/VLE (etapa 3) só fazem sentido se aplicadas a situações que previamente se identificaram como potenciais ‘focos de problemas’ (etapa 1). Então, conclui-se que a etapa inicial (identificação) é primordial para a prossecução da fase I – Avaliação, sendo suportada no contributo dos profissionais de SST, na informação técnico-científica disponível e, também, na informação recolhida junto dos trabalhadores. Só a junção de todos estes ‘inputs’ nos permitirá realizar uma avaliação de riscos com a profundidade e a abrangência desejáveis. Portanto, nesta fase, trabalhadores incluídos!

Relativamente à fase seguinte – Controlo – o contributo dos trabalhadores envolvidos é igualmente essencial. Repare-se que esta fase trata da definição, proposta e implementação das medidas de prevenção e de proteção adequadas à correção dos desvios negativos detetados na fase de avaliação de riscos. Mas, a execução dessas medidas decorre da aceitação e proatividade dos trabalhadores na sua implementação, visto que são eles os seus destinatários finais. O exemplo mais ‘simplista’ que ilustra esta ideia é a utilização de EPI7, a qual está fortemente relacionada com a vontade/disponibilidade do trabalhador para tal.

Em suma, o envolvimento dos trabalhadores no processo de avaliação e controlo de riscos profissionais é imprescindível para se atingirem, com sucesso, os objetivos de redução dos indicadores de sinistralidade laboral (nº AT e DP). Se bem que este aspeto esteja refletido, no plano formal, através da obrigação de consulta às organizações de trabalhadores imposta na legislação8, não basta o estrito cumprimento desse requisito, de modo reativo. Eliminado o mito sobre ACRP, a sensibilização a uma participação mais ativa, por parte dos trabalhadores, será a ‘pedra de toque’ que poderá fazer a diferença na melhoria global das condições de trabalho… e de vida!

1 Metodologia de Avaliação de Riscos e Acidentes de Trabalho, para avaliação dos níveis de risco e atribuição de prioridades de atuação
2 Hazard and Operability Studies e 3 Failure Mode, Effects & Criticality Analysis, para identificação de causas raiz e respetivas consequências
4 Segurança e Saúde no Trabalho
5 Lesões MusculoEsqueléticas Relacionadas com o Trabalho
6 Decreto-Lei n.º 46/2006, de 24 de fevereiro
7 Equipamentos de Proteção Individual
8 Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro

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António Oliveira Sousa
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António Oliveira Sousa

Doutor em Segurança e Saúde Ocupacionais (PhD) (FEUP) Prof. Coordenador no Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve Diretor do Mestrado em Segurança e Saúde no Trabalho (MSST) da Universidade do Algarve

Um comentário em “Avaliação e Controlo de Riscos Profissionais: Desconstrução de um mito

  1. É um excelente alerta para quem pensa que a segurança é só para os especialistas e técnicos com formação específica.

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