Por vezes alguns funcionários consomem substâncias psicoativas que potenciam o desempenho profissional e/ ou ajudam a uma melhor adaptação às adversidades laborais, sem perturbar grandemente outros detalhes laborais e sem que exista, teoricamente, um patamar de dependência (até porque esta definição também leva em conta a não interrupção em função dos prejuízos globais obtidos e interação negativa com diversos contextos). Contudo, até mesmo nestas circunstâncias, há a possibilidade do consumo se transformar em claramente disfuncional, com o tempo.
Por exemplo, são citados na bibliografia consultada trabalhadores rurais brasileiros que relatam, na 1ª pessoa, que só a consumir marijuana ou cocaína, conseguiam energia/ disposição para cortar 21 toneladas de cana-de-açúcar num só dia de trabalho (?!).
São também incluídos relatos de profissionais liberais europeus (sobretudo franceses e ingleses), por exemplo, advogados e empresários, com consumo frequente e generalizado de anfetaminas, ecstasy e/ou cocaína (como estimulantes inteletuais e/ ou físicos) ou até álcool e/ ou heroína (como relaxante), por vezes, durante décadas, sem que ninguém próximo o soubesse; geralmente razoavelmente bem informados acerca das caraterísticas e consequências desses mesmos produtos.
Noutros casos, o trabalhador não procura potenciar o seu desempenho físico e/ou inteletual, mas sim tornar o tempo laboral mais agradável e/ ou tolerável, de forma subtil. Alguns relatos diretos de trabalhadores afirmam mesmo que estes acreditavam que só com estes consumos conseguiam manter a postura laboral esperada, não só a nível de desempenho, mas também socialmente, entre colegas e com clientes. Ou seja, parte destas substâncias desinibe (e potencia a sociabilidade), proporcionando alguma euforia, aumentando a concentração e alteração da perceção do tempo (os turnos de trabalho tornam-se mais rápidos).
Os elementos das equipas de Saúde Ocupacional devem conhecer todos os ângulos deste tema (consumo de substâncias psicoativas em meio laboral), de forma a alertarem para os riscos de saúde (pessoais e ocupacionais) que existem no consumo tão banalizado destas substâncias, para além da possibilidade do consumo se tornar rapidamente disfuncional em algumas profissões, sendo que noutras (com fatores de risco diferentes), a sua utilização é altamente disfuncional desde o início.
.
Bibliografia:
- Consumo laboral funcional de substâncias psicoativas?!… A propósito de um artigo… Santos, M.; Almeida, A. Revista Segurança, 2013, novembro- dezembro, nº 217.
- Dependência química e trabalho: uso funcional e disfuncional de drogas nos contextos laborais”. Lima, M. E. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 2010, 35(122): 260-268.
.
Artigo em parceria com:
Armando Almeida
Docente no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa
Mestre em Enfermagem Avançada
Especialista em Enfermagem Comunitária