A sarna é uma doença cutânea causada por um parasita, o ácaro Sarcoptes scabiei. O contágio faz-se por contacto com o tegumento cutâneo infestado, exigindo habitualmente contacto continuado e mantido, até mesmo com material contaminado desde que num tempo compatível com o ciclo vital do ácaro. Claro que tal via de contacto se pode fazer na prestação de cuidados (clínicos ou não) e que essa infestação (e infeção) nesses trabalhadores é mais frequente do que na população geral e por isso pode ser uma doença profissional: as chamadas “doenças profissionais não exclusivas” por oposição às doenças profissionais que, quase que em exclusividade, só ocorrem em população trabalhadora exposta (como é o exemplo da silicose, causada pela sílica livre).
As lesões típicas da sarna atingem essencialmente as mãos e os pulsos e também outras zonas cutâneas sendo poupadas algumas zonas como a cabeça ou as palmas das mãos e as plantas dos pés (exceto em crianças). Os túneis são feitos na pele pelos parasitas fêmeas onde põem os ovos. A contagiosidade, a dificuldade diagnóstica e a não adoção de medidas de prevenção designadas de várias maneiras que opto por chamar “precauções universais” constituem, entre outros, fatores facilitadores do contágio. Existem diversas formas de sarna, algumas muito agressivas como é o caso da chamada sarna norueguesa a que os profissionais de saúde podem estar, obviamente, mais expostos quer em internamento, quer noutros contextos.
Vem esta conversa a propósito da recente notícia de casos de sarna em profissionais de saúde no Hospital de S. João no Porto1: “… o Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto detetou, esta semana, três casos de pacientes com sarna, todos em tratamento em regime de internamento, admitindo o hospital que a doença tenha sido transmitida a alguns profissionais de saúde. A escabiose, ou sarna, é uma doenças parasitária humana frequente e contagiosa, mas curável … Neste momento, não há razão para medidas adicionais, não sendo este tipo de situação motivo para encerramento de espaços ou unidades, garante o Hospital São João, numa nota enviada à agência Lusa”.
A grande preocupação, nota-se muito bem, é tranquilizar os cidadãos, o que se compreende …, e só faltava culpar os profissionais de saúde à semelhança do ocorrido, recentemente, a propósito do sarampo.
Ao longo dos últimos anos é raro o ano em que não se repetem notícias semelhantes com atingimento de um número variável de profissionais de saúde e em diferentes localizações geográficas. Gostava de recordar que tem cerca de vinte a trinta anos a chamada de atenção para estes assuntos em Portugal e que a organização de serviços de Saúde Ocupacional ou de Medicina do Trabalho em hospitais e outras unidades de saúde ainda menos tempo tem. Isso dá-me comichão (ou prurido) como a sarna, e também devia carecer de terapêutica adequada, sempre menos abrangente que a “antecipação” (o antes de vir) a que, pomposamente, se chama “prevenção” e que todos evocamos ao referir que “mais vale prevenir que remediar”.
Mas será que investimos o suficiente nestes contextos para “gerir” estes riscos profissionais? E, já agora, também para os outros riscos profissionais?
Sinceramente, acho que não! É que a antecipação não se antecipa só com palavras. Necessita, entre outros aspetos, de formas organizadas (e competentes) de intervenção e de recursos adequados que tardam em ser valorizados pelos vários “atores”, para além da eloquência e das “campanhas”, pelo insuficiente investimento numa cultura (ou clima) de prevenção. Aceitemos que não somos bons nisso já que é a melhor forma de nos tornarmos melhores, mais cultos e mais competentes na prevenção … é o processo da “melhoria contínua” tão implantado em meio empresarial em vez do “varrer para debaixo do tapete”. Será que vamos continuar a trabalhar sem exigir direitos (e deveres) na proteção da saúde de quem trabalha? O 1º de maio é uma boa altura para refletir sobre estes aspetos.
1 in Expresso online. Agência Lusa, 28.04.2018 às 12h43
Nafarros, 01 de maio de 2018
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O conceito é muito antigo. Encontra essa referência num artigo meu e de Mário Faria de 1988!!!! Basta no google ou outro browser colocar publications list Antonio Sousa Uva.
Obrigado pelo comentário.
A Sousa Uva
Boa esa definição de doenças profissionais não esclusivas que desconhecia ate a presente data. No mês de dezembro de 2018 houve outro surto de sarna no Hospital Santa María Maior de Barcelos e uma grande quantidade de pessoal de enfermagem foi medicada.