Trabalho Infantil: O caminho a seguir.

As estimativas globais da OIT-UNICEF para 2020 indicam uma conjuntura crítica no esforço mundial contra o trabalho infantil. O progresso global estagnou nos últimos quatro anos, depois de já ter abrandado consideravelmente nos quatro anos anteriores. A atual crise da COVID-19 ameaça corroer ainda mais os ganhos do passado. Embora atualmente se registem cerca de menos 86 milhões de crianças no trabalho infantil do que quando começámos a medir os níveis globais em 2000, as tendências recentes sugerem que estamos a ficar muito aquém do compromisso coletivo de acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas até 2025. Neste Ano Internacional das Nações Unidas para a Eliminação do Trabalho Infantil, temos de agir com uma urgência renovada para pôr de novo em marcha os progressos.

São necessárias medidas imediatas para evitar um novo retrocesso durante a atual crise da COVID-19. A pandemia agravou claramente o risco de trabalho infantil, sobretudo através de um aumento acentuado da pobreza. A dependência das famílias em relação ao trabalho infantil e o encerramento de escolas podem obrigar as famílias, sem outra alternativa, a mandar as crianças para o trabalho. Para reduzir estes riscos, serão cruciais medidas alargadas de apoio ao rendimento das famílias em situação de vulnerabilidade, através de benefícios para as crianças e de outros meios. Também as campanhas de regresso à escola e programas de aprendizagem intensivo para trazer as crianças de volta à sala de aula e ajudá-las a recuperar as aprendizagens, logo que as condições o permitirem.

Durante as fases agudas da crise e de recuperação, será importante não perder de vista os imperativos políticos mais vastos para acabar com o trabalho infantil. Estes têm sido claros há muito tempo:

• Alargar a proteção social das crianças e das suas famílias para mitigar a pobreza e a incerteza económica que estão na base do trabalho infantil.

• Garantir uma escolarização gratuita e de boa qualidade, pelo menos até à idade mínima para entrar no mercado de trabalho, a fim de proporcionar uma alternativa viável ao trabalho infantil e proporcionar às crianças uma oportunidade de terem um futuro melhor.

• Garantir que o nascimento de cada criança seja registado para que tenham uma identidade legal e possam gozar dos seus direitos desde o nascimento.

• Promover um trabalho digno que proporcione um rendimento justo para a população jovem (em idade legal de trabalhar) e à população adulta, com especial para quem trabalha na economia informal, para que as famílias pobres renunciem ao trabalho infantil.

• Promover os meios de subsistência e a resiliência das zonas rurais adequados, nomeadamente através do apoio à diversificação económica, do investimento em infra-estruturas de serviços básicos, do alargamento da proteção social e da definição de políticas de extensão agrícola para a diversificação das culturas. As explorações familiares e as empresas que dependem do trabalho (na sua maioria não remunerado) das suas crianças (filhos e filhas) necessitam de maior apoio para melhorar os seus meios de subsistência e acabar essa dependência.

• Garantir a existência de leis e regulamentos necessários para proteger as crianças, apoiados por mecanismos de aplicação da lei e sistemas de proteção das crianças, e serviços necessários para a sua aplicação.

• Abordar as normas em matéria de género e a discriminação que aumentam os riscos do trabalho infantil, em especial para as raparigas, relacionados com o trabalho doméstico e as tarefas domésticas não remuneradas.

Deve ser prestada especial atenção ao risco acrescido de trabalho infantil associado a crises, conflitos e catástrofes. As preocupações com o trabalho infantil devem ter em conta todas as fases da ação humanitária – desde a preparação para as crises e os planos de contingência até às respostas humanitárias aos esforços de reconstrução e recuperação pós-crise.

A abordagem dos riscos do trabalho Infantil nas cadeias de abastecimento nacionais e globais continua a ser importante. Especialmente relevantes são as micro e pequenas empresas informais que operam nos níveis mais baixos das cadeias de abastecimento, onde o trabalho infantil e outros riscos em matéria de direitos humanos são frequentemente mais acentuados. Os governos podem liderar através de contratos públicos que desencorajam os riscos do trabalho Infantil nas cadeias de abastecimento.

A crise da COVID-19 tornou as acões em todas estas áreas e contextos políticos ainda mais urgentes numa altura em que os governos estão a lidar com um espaço orçamental restrito. Escolhas políticas sólidas e decisões de alocação de recursos serão cruciais. O reforço da base de dados a nível nacional sobre o trabalho infantil pode ajudar a identificar as prioridades locais e a orientar as decisões políticas e de despesas. O diálogo social entre os governos, as organizações patronais e as organizações de trabalhadores é também fundamental para o desenvolvimento de políticas pertinentes e adaptadas às necessidades para enfrentar o trabalho infantil e outos desafios relacionados, onde quer que ocorram.

Os governos deverão adotar estratégias criativas de mobilização de recursos para expandir seu espaço orçamental. Dada a escassez orçamental gerada pela pandemia, a comunidade internacional terá de colmatar a lacuna de financiamento. Muitos países industrializados estão ainda aquém dos compromissos de longa data em matéria de ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e de financiamento do desenvolvimento sustentável. Isto tem de mudar.

A redução da dívida deve ser alargada e a dívida reestruturada nos países já fortemente endividados, de modo a que as despesas sociais não sejam anuladas através do aumento dos pagamentos do serviço da dívida. Temos de evitar os erros do passado, que viram os fluxos de crédito urgentemente necessários, condicionados por medidas de austeridade que prejudicaram mais as crianças e as famílias mais necessitadas.

A crise da COVID-19 relembra a importância da necessidade de cooperação e parceria internacionais para superar desafios globais. Isto aplica-se tanto ao fim do trabalho infantil como a outras prioridades críticas de desenvolvimento na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Eliminar o trabalho infantil é uma tarefa demasiado grande para que qualquer uma das partes possa resolver por si só. Os países devem trabalhar em conjunto dentro do espírito do artigo 8º da Convenção (N.º 182) da OIT, universalmente ratificada.

A Aliança 8.7 desempenha um papel importante na facilitação da cooperação em matéria de trabalho infantil entre os intervenientes governamentais e não governamentais. É uma parceria global lançada em 2016, a Aliança 8.7 reúne governos, organizações multilaterais, organizações de trabalhadores, organizações de empregadores, organizações não-governamentais, instituições universitárias e grupos de reflexão para encontrar formas de acelerar a ação para alcançar a meta 8.7. As três estratégias adotadas pela Aliança centram – se respetivamente, na investigação e partilha de conhecimento, inovação e o aumento e a mobilização dos recursos.

É urgente tomar medidas para acabar com o trabalho infantil e retomar de novo o caminho certo, em conformidade com os compromissos e objetivos globais. A evidência deste relatório descreve os riscos e aponta para as soluções. Embora sejam necessárias medidas e Investimentos ambiciosos, a pandemia da COVID-19 demonstrou amplamente que estes são possíveis quando o bem-estar da humanidade está em risco. Prometemos às crianças acabar com o trabalho infantil. Não há tempo a perder.

Fonte (CPLP):

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