Charros e Saúde Ocupacional?!

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INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Atualmente existem empresas que se preocupam e acreditam que, ao influenciar positivamente o estilo de vida dos seus funcionários (no sentido de diminuir/ eliminar comportamentos não saudáveis) estão a proporcionar-lhes maior qualidade de vida e bem-estar, fatores que influenciam positivamente a produtividade e reduzem o absentismo.

Apesar de muitos investigadores defenderem que os efeitos agudos e crónicos associados ao consumo e à abstinência podem ser muito relevantes para a saúde pessoal e ocupacional, ainda não existem consensos científicos seguros relativamente a vários aspetos associados ao consumo desta substância.

Encontram-se relatos do uso de canabis no período neolítico, na região que hoje constitui a China, onde era usada com fins recreativos, analgésicos e antiespasmódicos. Hoje em dia, trata-se da substância psicoativa ilícita mais consumida mundialmente, sobretudo nos países desenvolvidos; sendo suscetível de causar abuso e dependência.

 

Breves noções botânicas e toxicológicas

Os canabinoides derivam da planta designada por cânhamo ou canabis sativa. Consoante se processa as diversas partes da planta, obtêm-se produtos com graus diferentes de concentração; os mais conhecidos são a marijuana e o haxixe. O produto final é constituído por muitos canabinoides (mais de 70), mas o princípio ativo mais importante é o tetrahidrocanabinol- THC; a sua semivida é de cerca de 4 dias; o segundo mais destacado é o canabidiol. Estes estão mais concentrados nas extremidades floridas da planta, decrescendo nas folhas e sementes, respetivamente. A marijuana contém geralmente 0,5 a 5% de THC, enquanto que o haxixe (resultante da resina e extremidades floridas) pode conter de 2 a 20%. Contudo, o óleo de haxixe pode ir de 15 a 50%. Para além disso, acredita-se que, por técnicas de seleção biológica e aperfeiçoamento da extração dos canabinoides, obtêm-se ao longo dos anos produtos cada vez mais concentrados; em alguns casos para valores 20 vezes superiores.

Os efeitos no organismo dependerão não só da concentração e número de compostos canabinoides presentes, mas também da via de consumo e, no caso de ser inalatória, da profundidade da inalação, duração do ato, volume inalado, perda de canabinoides para o ar atmosférico ou espaço morto respiratório, da capacidade pulmonar e do peso/ comprimento do cigarro. Na maioria dos casos a canabis é fumada na forma de cigarro; por vezes, alguns consumidores misturam com tabaco para se obter uma combustão mais agradável. Tipicamente estes utilizadores inalam mais profundamente para obter um efeito mais intenso, em comparação com os tabagistas. Contudo, esta também pode ser ingerida ou bebida em infusão, apesar que aqui os efeitos são mais tardios, prolongados e suaves.

Pela via inalatória as concentrações máximas plasmáticas de THC são atingidas entre 3 a 10 minutos; os efeitos iniciam-se de segundos a poucos minutos, atingindo a intensidade máxima entre os 15 e os 30 minutos, diminuindo acentuadamente em 2 a 3 horas. Por via oral, a absorção é mais lenta e suave, a concentração plasmática máxima é atingida 1 a 2 horas depois, apesar de ser possível existirem vários picos menores posteriores; os efeitos geralmente iniciam-se entre os 30 e os 50 minutos, atingindo o seu máximo entre as 2-3 horas e diminuindo acentuadamente entre as 4 e as 12 horas. O consumo por via endovenosa apresenta uma farmacocinética e farmacodinâmica semelhantes à via inalatória, mas os efeitos e a absorção são mais intensos.

Estão descritos casos de abstinência (ainda que pouco graves, na sua generalidade), bem como tolerância aos efeitos (ou seja, com a mesma dose as sensações tornam-se cada vez mais suaves) e abuso/ dependência (a distinção entre estes dois patamares é baseada na interferência negativa no quotidiano, segundo critérios previamente estabelecidos).

A generalidade dos consumidores cumpre uma sequência relativamente linear na progressão do consumo de substâncias psicoativas, ou seja, a maioria usa tabaco e álcool previamente à canabis e, os que experimentam outros produtos, geralmente fazem-no apenas numa fase seguinte.         

Efeitos agudos

Estão descritos euforia, relaxamento, alterações da perceção, alterações da noção de temporalidade e intensificação de várias sensações (secundárias a sabores, sons, aromas); bem como riso contagiante e verborreia. Alguns autores também descrevem despersonalização, paranóia, pensamento acelerado e desorganizado, delírios e alucinações, bem como alterações de memória e atenção, ansiedade, tempo de reacção e capacidades motoras gerais. A generalidade dos efeitos parece ser proporcional à intensidade e cronicidade do consumo.

Os efeitos secundários mais desagradáveis e comuns são a ansiedade e/ ou até ataques de pânico; que podem ser motivo de interrupção logo no primeiro consumo ou só aparecerem com doses mais elevadas, posteriormente. Para além disso, está também descrita a taquicardia em até 50% dos casos, de minutos a horas depois do início do consumo.

Globalmente, a toxicidade aguda não detém muita gravidade, não estando descritos casos mortais. No entanto, a capacidade de manobrar máquinas/ veículos motorizados fica obviamente comprometida. Os efeitos deste consumo podem ser similares a uma taxa de alcoolémia de até 10%.

 

Efeitos crónicos

Uma das principais controvérsias reside na durabilidade e gravidade dos efeitos a médio e longo prazos, até porque os estudos apresentam condições metodológicas diversas (número de participantes, representatividade das amostras, animais anestesiados ou não versus humanos, durabilidade das observações e controlo de variáveis eventualmente confundidoras, como patologia mental e consumo de outras substâncias psicoativas), para além de se utilizarem produtos com diferentes constituição e concentração de canabinoides. Ainda assim, genericamente, considera-se que a intensidade de tais alterações é também proporcional à intensidade e cronicidade do consumo.

  • Aparelho respiratório

Alguns investigadores defendem que o consumo de canabis fumada é 50 a 70% mais carcinogénica que o tabaco, quer a nível respiratório, quer a nível digestivo alto; tornam-se também mais frequentes as infeções respiratórias e doenças pulmonares crónicas obstrutivas (como bronquite e enfizema), demonstradas pela maior produção de tosse e expetoração. Alguns autores defendem ainda que o consumo simultâneo com o tabaco potencia estas consequências.

 

  • Aparelho reprodutor

A administração crónica de THC a animais levou à diminuição da produção de testosterona, alterações na espermatogénese e no ciclo ovulatório. Contudo, estas conclusões não podem ser extrapoladas diretamente para os humanos.

 

  • Alterações pediátricas

Nas crianças expostas gestacionalmente ao THC, acredita-se que terão maior prevalência de baixo peso ao nascer, défice de atenção, alterações de memória e/ ou outras perturbações cognitivas.                                                  

  • Alterações cognitivas

Alguns autores encontraram deficiências na aprendizagem, atenção e memória que podem persistir para além da intoxicação aguda bem como pensamento fragmentado e estado confusional; mas tal é bastante controverso, indicando algumas investigações que esse período pode abarcar muitos anos após o último consumo. Em muitos artigos foi feita uma distinção detalhada entre as alterações nos diversos tipos de memória, mas tal pormenorização ultrapassa os objetivos deste artigo.

A capacidade de tomar decisões (quer nos consumidores, quer nos abstinentes) fica também comprometida.           

  • Alterações psiquiátricas

Existem relatos na bibliografia consultada que relacionam este consumo com isolamento social e afetivo, bem como a síndroma depressivo. Vários artigos referem um estado que designam de “síndroma amotivacional”, no qual o indivíduo se sente deprimido, ansioso, apático, com menos interesses e prazeres, menos concentrado e com maior probabilidade de insucesso profissional.

Apesar de doses elevadas poderem causar um estado psicótico caraterizado por confusão, discurso incoerente, amnésia, alucinações, agitação e ansiedade; em quase todos os casos a situação remite. Contudo, muitos artigos mencionam a associação verificada desde há muitos séculos entre o consumo da canabis e a esquizofrenia, não só pela possibilidade de aumentar a sua prevalência, gravidade e piorar a evolução. Um estudo muito extenso em militares suecos concluiu que o uso frequente de canabis (mais que 50 vezes) se associava, ao fim de 15 anos, a uma maior prevalência de esquizofrenia; após ajuste de algumas eventuais variáveis confundidoras a associação ficou menos intensa, mas persistiu, nomeadamente 6 vezes superior (para mais que 50 utilizações), 3 vezes mais (para 11 a 49 utilizações) e 1,3 vezes superior (para menos que 10 utilizações). Contudo, quer o consumo de canabis, quer a existência em si da esquizofrenia, ambas potenciam o consumo de outras substâncias. Aliás, poderá também ocorrer que a pré-existência de uma patologia psiquiátrica aumente a probabilidade de se consumir um produto psicoativo.

  • Alterações neurológicas

Em estudos com animais verificou-se que o consumo de THC altera a morfologia do Sistema Nervoso Central, sobretudo as áreas mais ricas em recetores canabinoides (como o hipocampo, córtex cerebral  e cerebelo. De realçar que essas zonas anatómicas estão associadas à memória.

  • Métodos de doseamento

Os testes de despistagem são mais práticos, rápidos e económicos; os testes de confirmação, por sua vez, são mais sofisticados, seguros, morosos e caros mas têm obrigatoriamente de ser realizados para confirmar um teste de despistagem positivo. Os testes podem permanecer positivos mesmo que realizados após 3 dias (com consumo único), 5 a 7 dias (para consumos de até 4 vezes por semana), 10 a 15 dias (para consumos diários durante uma temporada) e até mais de 30 dias (após o último consumo, se este tiver sido diário durante muito tempo).

           

CONCLUSÕES

A utilização desta substância por parte dos trabalhadores pode comprometer a sua saúde, nas suas variadas dimensões e influenciar o seu desempenho laboral, pondo inclusive em perigo a saúde dos restantes trabalhadores.

Hoje em dia é possível aceder facilmente a formas de rastreio mas, a sua utilização deverá ser feita ponderando a saúde e bem-estar dos trabalhadores (consumidores e outros).

 

BIBLIOGRAFIA: Revista Nursing on line, outubro de 2013.
Título original do artigo: “Influência do consumo de marijuana na saúde pessoal e laboral”

Em parceria com:
Armando Almeida
Mestre em Enfermagem Avançada
Especialista em Enfermagem Comunitária
Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem
Assistente no ICS da Universidade Católica Portuguesa; CIIS (Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde)

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Mónica Santos

Mónica Santos

Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina do Trabalho; Especialista em Medicina Geral e Familiar e Mestre em Ciências do Desporto. Diretora Clínica da empresa Quércia (Viana do Castelo). A exercer Medicina do Trabalho também nas empresas Cliwork (Maia), Clinae (Braga), Medicisforma (Porto), Sim Saúde (Porto), Servinecra (Porto) e Radelfe (Paços de Ferreira).

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