Um dos fatores de risco mais importantes presente em meio hospitalar são os agentes biológicos. Num ambiente hospitalar, o risco de exposição aos agentes biológicos é diário e pode expor os profissionais de saúde, principalmente os que lidam diretamente com os doentes, a uma multiplicidade de microorganismos patogénicos.
A prevenção do risco de exposição aos agentes biológicos (ex. vírus, bactérias, fungos…) tem como enquadramento legal o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril que torna imperiosa a proteção dos trabalhadores com risco de exposição aos agentes biológicos nas atividades ligadas aos laboratórios de investigação, serviços hospitalares, laboratórios clínicos e de diagnóstico, matadouros, na recolha e tratamento de lixos e em diversos ramos da indústria. A proteção dos trabalhadores baseia-se em primeiro lugar na avaliação dos riscos da exposição aos agentes biológicos, para identificar os agentes causadores do risco, a possibilidade da sua propagação na coletividade e o tempo de exposição efetiva ou potencial dos trabalhadores. Dada a possibilidade de existência de múltiplas patologias infeciosas presentes nos doentes, a prevenção da transmissão de infeções passa essencialmente pela aplicação das precauções básicas (medidas aplicadas nos cuidados prestados a todos os doentes em todas as unidades de saúde independentemente da suspeita ou confirmação da presença de um agente infecioso) e que tem por base as vias de transmissão (por gotículas, por via área ou por contacto) dos microorganismos. A implementação das precauções básicas constitui a estratégica principal na prevenção da transmissão de agentes infeciosos entre doentes e profissionais, durante a prestação de cuidados. Todos os produtos biológicos (ex. sangue, sémen, secreção vaginal, líquido cefalorraquidiano, líquido pleural…) devem ser considerados como potencialmente infeciosos.
As precauções básicas incluem a higiene das mãos, a utilização de equipamento de proteção individual, a limpeza e manutenção de equipamentos e superfícies ambientais, os cuidados com têxteis e roupa, as práticas seguras no uso de agulhas e cortantes e a contenção na fonte de secreções respiratórias nos doentes sintomáticos, desde o seu primeiro contacto com a instituição de saúde. São ainda consideradas como precauções básicas: a colocação do doente em função do risco de transmissão de infeção, os cuidados com resíduos hospitalares e as medidas de segurança dos profissionais à exposição a agentes biológicos.
A principal preocupação do risco de exposição aos agentes biológicos é a potencial transmissão de microorganismos patogénicos através do sangue, nomeadamente do vírus da hepatite B (VHB), da hepatite C (VHC) e do vírus da imunodeficiência humana (VIH). Os acidentes de exposição a sangue e a outros fluidos orgânicos potencialmente infeciosos são ocorrências frequentes que representam risco acrescido de infeção para os profissionais. A Organização Mundial de Saúde estima que, na Europa e em cada ano, 304.000 profissionais de saúde estejam expostos a pelo menos uma picada com uma agulha contaminada pelo VHB, 149.000 pelo VHC e 22.000 pelo VIH.
Apesar da existência de profilaxia pós-exposição (PPE) para prevenir a transmissão do VHB e do VIH, a prevenção primária deste tipo de acidentes é essencial. Para a prevenção e controlo destes acidentes é necessário garantir a existência de equipamentos e dispositivos que assegurem práticas seguras de trabalho. Em 2013, com a transposição de uma diretiva comunitária, através do Decreto-Lei n.º 121/2013, de 22 de agosto, passou a ser obrigatório à entidade empregadora garantir a existência de dispositivos médicos corto-perfurantes que constituam equipamentos de trabalho com mecanismos de segurança e proteção, de modo a prevenir feridas provocadas por estes dispositivos. Além do uso de dispositivos médicos com mecanismos de segurança e proteção, é importante que todos os profissionais de saúde, que desempenham tarefas que envolvam contacto com sangue ou outros fluidos biológicos, estejam vacinados contra a hepatite B e possuam uma avaliação da resposta imunitária à vacinação; deve-se assegurar a formação e treino relativos à adoção das precauções básicas e de práticas de trabalho seguras.
Em caso de acidente de exposição a sangue e outros fluidos orgânicos potencialmente infeciosos, seja por exposição percutânea, mucocutânea ou por mordedura, é necessário realizar-se a avaliação do risco de transmissão de infecções virais que deve ser efetuada o mais rapidamente possível (em poucas horas), de modo a que uma eventual quimioprofilaxia possa ser instituída em tempo útil (até às 72 horas relativamente aos antirretrovirais e até à primeira semana em relação à imunoglobulina anti-hepatite B, sendo desejável o seu início nas primeiras horas após a exposição). A avaliação do risco exposição e decisão de PPE deve incluir: (1) a definição do tipo de produto biológico envolvido (ex. sangue, sémen, secreção vaginal, líquor…); (2) a gravidade e o tipo de exposição (percutânea, mucosas, pele não-íntegra ou mordedura humana) e; (3) a identificação ou não do doente e da sua condição serológica (VHB, VHC ou VIH). O risco de transmissão das infeções virais (VHB, VHC e VIH) varia de acordo com o vírus e o tipo de exposição. A transmissão do VIH após exposição por picada acidental, a probabilidade de adquirir infeção pelo VIH é de 0.3% (IC95% de 0,2% a 0,5%) e após exposição das mucosas é de 0,09% (IC95% de 0,006% a 0,5%). A transmissão do vírus da hepatite B após contacto percutâneo para um profissional não imunizado para a hepatite B é de aproximadamente 30%. A probabilidade de adquirir infeção pelo vírus da hepatite B varia consoante os antigénios detetados no doente. A probabilidade de adquirir infeção do vírus da hepatite C é de 1,8% (variando dos 0% aos 7%), após picada acidental, sendo inferior quando a exposição é feita através de projeção para as mucosas.
A vigilância da saúde dos profissionais expostos aos agentes biológicos deve realizar-se na admissão do profissional e periodicamente (anualmente ou bianualmente), e deve incluir não só a vacinação contra a hepatite B, mas também a avaliação da titulação de anticorpos para o vírus da hepatite B, tal como a identificação da suscetibilidade dos profissionais à infeção pelo VIH, VHB ou VHC. Relativamente à exposição acidental, o acompanhamento clínico-laboratorial pós-exposição dos profissionais a este tipo de acidentes, deve ser realizado para todos os profissionais acidentados que tenham sido expostos a doentes com serologias infeciosas desconhecidas ou com infeção conhecida pelo VIH e/ou hepatites B e C, independentemente do uso de quimioprofilaxias ou imunizações.
Referências bibliográficas:
- Decreto-Lei n.º 121/2013, de 22 de agosto – Estabelece o regime jurídico relativo à prevenção de feridas provocadas por dispositivos médicos corto-perfurantes que constituam equipamentos de trabalho nos setores hospitalares e da prestação de cuidados de saúde.
- Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril – Estabelece prescrições mínimas de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos da exposição a agentes biológicos durante o trabalho.
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