De acordo com o relatório da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho apresentado a 6 de agosto deste mês, é referido que cerca de 27% dos trabalhadores europeus pensam que a inteligência artificial (IA) influencia o ritmo e os processos de trabalho no seu dia-a-dia de trabalho, 47% pensam que a IA aumenta os níveis de vigilância e 24% acreditam que reduz a sua autonomia enquanto trabalhadores.
Ainda de acordo com a Agência Europeia, 5% das máquinas ou robôs já incorporam IA e 3% dos robôs interagem com os seus “parceiros” de trabalho. Cerca de 40% das organizações que atualmente usam IA nos seus processos de trabalho estão encontram-se maioritariamente no setor das tecnologias da informação e comunicação, setor financeiro, manufatura e áreas relacionadas com a engenharia. O relatório revela ainda que 26% dos utilizadores de IA se encontram enquadrados na faixa etária dos 25 aos 34 anos.
Os principais desafios mencionados no referido relatório no tocante aos aspetos relacionados com segurança e saúde no trabalho são os seguintes:
- Receio de perder o emprego devido à introdução da IA e da massificação das tecnologias da informação e da comunicação (TIC);
- Receio de não ter as competências técnicas necessárias para gerir e “viver” com a utilização da IA e das TIC;
- Necessidade de requalificação de determinadas funções;
- Receio de uma dependência excessiva das TIC;
- Receio de perder a autonomia da sua função;
- Receio de perder ou diminuir substancialmente a interação social e as relações interpessoais.
No mesmo relatório, foi medida a perceção dos trabalhadores, encontrando-se os seguintes resultados na tabela a seguir:
Em relação às oportunidades, foi mencionado que a automação de tarefas é adequada para trabalhos de alto risco, onde é preferível que seja a máquina a deslocar-se aos ambientes avaliados pela SST como hostis e perigosos para a integridade e para a saúde humana, assim como para atividades repetitivas que podem causar constrangimentos musculosqueléticos e outras patologias, bem como nas atividades de fabrico, transporte e armazenamento, construção e saúde.
Em termos de benefícios, a pesquisa aponta quatro vetores importantes:
- Aumento do tempo disponível para os trabalhadores se requalificarem e se atualizarem a fim de acompanharem os avanços das TIC;
- Tempo de ecrã reduzido;
- Minimização ou até evitamento da exposição a ambientes perigosos;
- Diminuição da carga de trabalho (sendo esta “transferida” para a máquina.
Não obstante estes quatro vetores, acrescentaríamos também que o trabalhador (em teoria) ficará com mais tempo disponível para a sua vida pessoal, social e familiar assim como uma maior regulação e gestão do tecido emocional do trabalhador.
Neste contexto despersonalizado, a gestão dos riscos psicossociais exige um esforço mais atento por parte dos responsáveis pela organização, uma vez que muitas delas ainda trabalham com tecnologias da segunda revolução industrial com trabalhadores numa faixa etária envelhecida, com fracos recursos cognitivos e com alguma dificuldade em trabalhar em equipa em contexto de trabalho (o ensino dos tempos idos não facilitou essa competência).
É sabido que grande parte do tecido empresarial português é composto por nano, micro e médias empresas que não olham para esta questão dos riscos psicossociais como uma estratégia de gestão das pessoas, facilitando o surgimento contingencial de entropias que conduzem alguns trabalhadores ao início ou mesmo ao fortalecimento do consumo de substâncias aditivas para encobrir sintomas emergentes como a ansiedade, a angústia, o stress negativo e os quadros de depressão existentes no seu ambiente de trabalho.
Estes fenómenos psicopatológicos contribuem para o surgimento ou agravamento de comportamentos hostis e repulsivos para com a organização e com os colegas e chefias, alterações súbitas de estado de humor, conflitos que se estendem à família, contribuindo para o aumento dos processos de separação e divórcio, e desmotivação para o trabalho, refletidos no desempenho e produtividade, de que são exemplos mais concretos as carreiras médicas, de enfermagem e ensino.
Os empregadores devem promover ações de sensibilização e formação sobre esta questão emergente do trabalho digitalizado. Mas mais, devem disponibilizar aos seus trabalhadores um tempo razoável para se adaptarem psicologicamente e cognitivamente aos novos paradigmas, envolvendo-os em grupos de trabalho interdisciplinares.
Devem também ter em conta a questão da relação entre a máquina e o ser humano, bem como tentarem perceber a gestão da perceção do isolamento por parte dos seus trabalhadores, com todas as consequências negativas para a sua saúde e mental.
Voltando ao inquérito, são apresentados vários exemplos em que a IA e as tecnologias da informação e da comunicação podem efetivamente tornar-se numa ajuda estratégica para trabalhadores e empregadores, se utilizadas de forma equilibrada, tais como:
- Linhas de montagem industrial;
- Elevação e transporte de cargas;
- Inspeções em locais de alto risco;
- Limpeza e desinfeção;
- Inspeção e manutenção de infraestruturas;
- Verificação de dados e identificação de conteúdos menos apropriados (assédio, xenofobia, racismo, desigualdade entre homens e mulheres, etc.);
- Deteção visual e reconhecimento de objetos;
- Resgate de trabalhadores em locais de difícil acesso e visualização;
- Programas de análise de vídeo e imagem para diagnóstico médico, etc.
Para concluir, apresentamos dois casos práticos de sucesso no Município de Cascais:
Primeiro uma atividade de riscos elevado (espaços confinados) em que antes o trabalhador tinha que descer para com recurso a uma lanterna verificar fissuras e outras zonas de pré-colapso da estrutura e posteriormente atuar manualmente com todos os riscos de intoxicação e acidentes mecânicos inerentes ao local, para a introdução de um robô que filma os locais que necessitam de intervenção, onde são posteriormente submetidos a uma reparação evasiva através de mangas insufladas para o interior em poliéster com cola especial sem que o trabalhador tenha algum contato com o interior. (ver figura 1)
Na segunda figura apresentamos a recolha de ilhas de resíduos sólidos urbanos com recurso também a um robô colaborativo onde o operador através de manípulos (semelhante aos jogos play station, consegue levantar, rodar, descarregar e recolocar no local original sem esforço para qualquer trabalhador e concomitantemente sem possibilidade de ter contato direto com resíduos perigosos assim como evitando o risco de contrair um entalamento, um esmagamento ou corte de membros.
Figura 1
Figura 2
Ambas as figuras demonstram a importância da ergonomia ao serviço da funcionalidade humana permitindo aligeirar esforços, e dotar as condições de operacionalidade com mais segurança e conforto para todos os intervenientes.
Tudo o que aqui abordamos deve ser para nós, técnicos superiores de segurança e saúde no trabalho encarado como uma prioridade da nossa ação. Mais que proteger, devemos investir na prevenção com recurso a tecnologias colaborativas diminuindo o esforço humano, a fadiga e o acidente.
Não esqueçamos os princípios inerentes à Agenda do Trabalho Digno e Saudável.
Entendemos que priorizar o bem-estar dos trabalhadores num mundo digitalizado é garantir a sua estabilidade, é garantir a sua segurança, é garantir a sua confiança, mas é também garantir apoio e responsabilidade no mundo da automação, convivendo, colaborando com máquinas inteligentes (e vice-versa, programadas para o efeito), crescendo e desenvolvendo-se, quer como pessoa, quer como profissional.
Vamos tentar juntos mudar mentalidades para sermos mais inclusivos neste processo que já é irreversível.
O pior mal é aquele a que nos habituámos
Jean Paul Sartre
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