Uma estratégia a desenvolver!
De acordo com a Agência Europeia para a segurança e Saúde no Trabalho, o stress no trabalho está identificado como um risco psicossocial que se materializa num conjunto de fatores negativos maioritariamente existentes a nível ocupacional e vai em conjunto com outras causas, contribuir para uma diminuição progressiva da saúde mental dos trabalhadores. Ao contrário do stress positivo (que alimenta a energia de fazer, criar, inovar entre outros), o stress negativo origina comportamentos de desajustamento socioprofissional com repercussões a nível ocupacional, pessoal e familiar.
Ainda segundo a referida Agência, o stress ocupacional afeta cerca de 40 milhões de trabalhadores na União europeia. Num inquérito elaborado antes da pandemia (que como sabemos, veio agravar muitos quadros de stress e acentuar outras patologias na área da saúde mental) pela American Psychological Association, 69% dos trabalhadores afirmaram que o trabalho é causador de stress, 41% reforçam que se sentiam ocupacionalmente stressados e 59% referiu que a produtividade individual diminuiu.
Relativamente ao burnout, o referido inquérito salienta que este foi responsável por 50% a 60% do absentismo laboral.
Em Portugal e de acordo com o 6º inquérito europeu sobre as condições de trabalho (2015), 21,6% dos profissionais de saúde apresentaram quadros de burnout moderado, mas, 47,8% apresentaram mesmo de burnout elevado. O mesmo inquérito salientou que 3 em cada 5 trabalhadores portugueses sofreram problemas de saúde mental devido ao seu trabalho. Como atrás referimos, depois do período pandémico, estes valores devem estar mais consolidados, dada a avaliação por exemplo do nosso serviço de psicossociologia da Câmara Municipal de Cascais em que as intervenções mais que duplicaram.
Segundo a OMS, o burnout (síndrome de esgotamento profissional de carácter depressivo precedido de esgotamento físico e mental intenso – Wikipédia) manifesta-se através de um conjunto de sintomas que resultam de uma exposição prolongada a fatores stressantes (stress crónico) com origem no trabalho ou com ele relacionado, e que não foi gerido com sucesso.
Para o surgimento de um quadro de burnout, existem sistemicamente inúmeras causas como por exemplo:
- Trabalho exercido com fraca autonomia em que, o trabalhador não se sente responsável pelo controlo e decisão das suas tarefas;
- Pressão emocional para atingir objetivos cuja exigência é percecionado pelo trabalhador como de difícil alcance;
- Ausência de condições físicas e ergonómicas nos locais de trabalho sujeitando os trabalhadores a terem de se readaptar a essas condições;
- Alterações cronobiológicas das jornadas laborais implicando a sujeição de turnos e prestação em regime noturno colidindo com outras vertentes da sua vida pessoal e familiar;
- Inexistência de pausas adequadas e equilibradas em relação à tarefa que desempenha (a avaliação de riscos feita pela equipa da SST é fundamental para determinar o regime de pausas face aos perigos e riscos detectados);
- Falta de apoio institucional (colegas e superiores hierárquicos) tendo o trabalhador de resolver e decidir por si;
- Ausência de um plano meritocrático e estimulante de progressão na carreira gerando poucas expetativas no trabalhador contribuindo para que este se sinta desvalorizado profissionalmente;
- Dificuldades sentidas no equilíbrio da conciliação entre a vida profissional, pessoal, social e familiar;
- Insegurança laboral, nomeadamente a nível da contratualização a termo limitando os sonhos de muitos trabalhadores.
Existem muitas mais causas, mas referimos aquelas que consideramos as mais discutidas no âmbito da psicossociologia organizacional.
Sinais de alarme que urgem serem imediatamente sinalizados e combatidos na raiz:
A nível físico e fisiológico:
- Sensação de cansaço, por vezes ainda antes de vir para o local de trabalho;
- Aumento da frequência de dores de cabeça e de episódios de insónia;
- Alterações alimentares (existência de comportamentos de bulimia e anorexia);
- Dores osteoarticulares e musculares com maior frequência.
A nível emocional:
- Falta de ânimo em relação à vida e ao trabalho;
- Aumento do quadro de intolerância;
- Estádios de tristeza;
- Perda de confiança como profissional;
- Sensação que está a ser sobrecarregado em relação aos restantes colegas.
A nível cognitivo:
- Sente maiores dificuldades em se concentrar;
- Sente maiores dificuldades em poder tomar uma decisão;
- A atenção dispersa-se mais frequentemente em vários momentos do dia;
- A memória a curto prazo começa a falhar mais frequentemente.
A nível comportamental:
- O trabalhador tende a isolar-se mais do seu grupo de referência;
- Demonstra falta de interesse e alheamento;
- Falta de motivação;
- Tende a irritar-se mais com colegas e outros;
- Diminuição da produtividade.
Intervenções psicossociais:
Entendemos que a melhor forma para debelar e mitigar estas disfunções socio emocionais se prende através da adoção de estratégias de integração pluridisciplinar compostas por técnicos de psicologia, serviço social, recursos humanos, medicina ocupacional e técnicos de segurança no trabalho.
- Intervir numa 1ª fase, auscultando o clima organizacional com aplicação de questionários anónimos e/ou questionários complementados por entrevistas nas visitas aos locais de trabalho, promovendo sempre o regime da confidencialidade assim como respeito pelos princípios deontológicos;
- De seguida, na 2ª fase, avaliar os casos sinalizados (pelos próprios através da sua manifestação de interesse ou por indicação das chefias ou até pelos técnicos da área psicossocial) que comportem presumivelmente sinais de stress avançado, e identificar quais os fatores desencadeadores, envolvendo se possível outras partes interessadas (colegas, familiares, etc).
- Numa 3ª fase visitar os locais de trabalho para avaliar as condições de segurança e saúde e reunir com as chefias e colegas de intervenção direta.
- Na 4ª fase vamos então estabelecer estratégias de coping em colaboração com o trabalhador, e vamos discutir a necessidade (caso seja identificado o problema), de promover uma terapia adequada à sua mitigação e resolução definitiva. Ainda nesta 4ª fase pode ser necessário o tratamento diferenciado externamente (psicologia clínica – psiquiatria), pelo que, o trabalhador terá de manifestar a vontade de efetivamente se tratar nesse contexto, devendo o empregador acompanhar a sua evolução.
Independentemente dos níveis de atuação, devemos apostar na educação cognitiva de todos os trabalhadores (incluindo chefias, dirigentes e administradores) explicando a temática dos riscos psicossociais, os custos em termos humanos do seu não investimento, nomeadamente a nível da perda de qualidade de vida com repercussões a nível do absentismo, presentismo, conflitualidade e diminuição da produtividade.
Devemos também reforçar o autocuidado que hoje se assume com um fator estratégico de controlo da estrutura psicofisiológica e biológica do indivíduo, ajudando os trabalhadores a conhecerem as suas potencialidades e os seus limites, assim como, incentivar a promoção do equilíbrio entre a vida profissional, pessoal, social e familiar criando políticas internas de recursos humanos que favoreçam esse equilíbrio.
Terminaríamos referindo que a formação profissional desempenha aqui um papel relevante na ótica da gestão de recursos humanos, nomeadamente a nível da assertividade, gestão de conflitos, trabalho em equipa, gestão do tempo e do stress organizacional, relacionamento interpessoal, técnicas de mindfulness, exercícios de relaxamento muscular, técnicas de controlo da respiração e de liderança.
Estas e outras ações atrás mencionadas só farão efetivamente sentido se a organização estabelecer horários que permitam aos seus trabalhadores o acesso às ações de formação (preferencialmente dentro do horário laboral, mas também facilitando a autoformação) e a prática de outras atividades complementares como a prática desportiva, hobbies, práticas de alimentação saudável, higiene do sono, apoio social e comunitário, exercícios de relaxamento antisstress (ver fotos 1, e 3) assim como outras atividades criativas.
Foto 1 | Foto 2 | Foto 3 |
O grande objetivo do que aqui falamos, é fazer sentir ao trabalhador que ele não está só, que existe alguém que o pode ajudar, quer como pessoa, quer como profissional.
As organizações devem considerar a problemática dos riscos psicossociais e das suas consequências individuais, emocionais, familiares, organizacionais e sociais como um problema de saúde pública afetando todos nós…
Bem hajam