Manuela Sol; Ana Rita Alberty; Isabel Mâncio; Tiago Machado
Laboratório de Microbiologia da ASAE
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Resumo
A informação incorreta com intuitos fraudulentos de alimentos é um problema antigo e generalizado, em particular, em produtos com elevado valor económico como a carne e os produtos cárneos.
Nos últimos anos, na sequência de “escândalos” como o das vacas loucas e, mais recentemente, o da carne de cavalo, o interesse dos consumidores com a autenticidade dos produtos cárneos tem aumentado. Muitos consumidores estão preocupados com a carne que consomem, e uma rotulagem correta é um importante meio para permitir que o consumidor possa fazer uma escolha bem informada.
Embora estas práticas configurem fraude ao consumidor não se pode descartar completamente a possibilidade de constituírem também perigos alimentares e infringirem questões de fé religiosa. De modo a assegurar o rigoroso cumprimento das regras de rotulagem as autoridades de controlo alimentar deverão recorrer a laboratórios que tenham implementadas metodologias de análise robustas e fiáveis para avaliar a autenticidade dos produtos alimentares.
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Introdução
A fraude com alimentos acontece desde a antiguidade, existindo registos do período do império romano onde se referem casos de falsificação de vinho. Noutros casos, espécies de elevado valor comercial são substituídas, parcial ou totalmente, por outras de menor valor. Assim, enquanto as ações de fraude são muitas vezes semelhantes às que ocorrem atualmente, a escala em que ocorrem e o impacto que têm nas populações são incomparavelmente maiores ocorrendo muitas vezes à escala continental.
A motivação para a fraude alimentar é económica, mas o seu resultado ou impacto pode ter graves impactos na saú- de pública constituindo-se assim um problema de segurança alimentar.
A visão tradicional de segurança alimentar concentra-se no controlo da presença de um conjunto de organismos e/ou substâncias químicas reconhecidos como perigosos para a saúde. O caso de adulteração fraudulenta com a adição de melamina a alimentos é paradigmático desta situação. Um outro caso envolvendo rotulagem enganadora, com implicações negativas na saúde dos consumidores, é a presença de alérgenos não declarados ou a substituição de espécies com menor potencial alergénio por outras de maior potencial, como são os casos de substituição de carne de vaca por carne de porco ou, em produtos lácteos, a substituição de leite de cabra por leite de vaca. As alergias alimentares são consideradas um problema emergente de saúde pública, especialmente nos países desenvolvidos.
No caso de presença acidental, uma proposta semelhante à adotada para OGM foi apresentada e tem sido utilizada. Resultados analíticos inferiores a 1% podem ser considerados como contaminação acidental. Assim, quando se ponderam todas estas preocupações é crucial para os consumidores que a indústria alimentar e as autoridades de controlo alimentar, verifiquem a veracidade da rotulagem.
Os métodos de análise de autenticidade alimentar, utilizados para a identificação de espécies incluem técnicas histológicas, deteção de metabolitos e estudo de compostos específicos, (sobretudo de proteínas), e incluem técnicas de electroforese, cromatografia e imunoensaios.
Mais recentemente, as moléculas de ADN têm sido os compostos alvo das metodologias de identificação espécies devido à sua estabilidade, especificidade e presença na maior parte dos tecidos biológicos. Atualmente a maioria dos métodos que utilizam ADN para deteção e identificação de espécies, tem por base a amplificação de fragmentos de ADN, característicos da espécie a identificar pela reação em cadeia da polimerase (polymerase chain reaction – PCR).
O método da PCR é utilizado para amplificar uma sequência específica de ADN. Esta sequência é normalmente amplificada numa reação contendo uma polimerase termoestável, nucleótidos e primers complementares da sequência alvo. Os produtos resultantes da reação de PCR podem ser visualizados em gel de agarose (end point PCR). Atualmente, o método da PCR convencional (end point PCR) tem vindo a ser substituído pelo método da PCR em tempo real. Este método tem o mesmo princípio da PCR convencional mas a amplificação do ADN é detetado à medida que a reação decorre “em tempo real”. Na PCR em tempo real são utilizadas sondas fluorescentes específicas para detetar o ADN amplificado por hibridização com a porção amplificada. Numa das extremidades, destas sondas, está ligado um fluoróforo e na outra um quencher que suprime a produção de fluorescência. Se a sequência alvo está presente durante a PCR, a amplificação ocorre, resultando no aumento de fluorescência. A deteção de fluorescência permite concluir a presença do organismo alvo.
O método da PCR (convencional ou em tempo real) apresenta um elevado poder discriminativo porque a identificação é feita ao nível da sequência dos fragmentos de ADN específicos e únicos da espécie, permitindo obter resultados inequívocos. Apresenta ainda, como vantagem importante o elevado grau de sensibilidade, permitindo detetar 0,1%, ou mesmo níveis inferiores, de uma espécie, numa matriz alimentar complexa.
O Laboratório de Microbiologia (LM) da ASAE em 2011 deu início à instalação de uma área de Biologia Molecular e à implementação de métodos da PCR. A opção feita foi por métodos de PCR em tempo real uma vez que esta metodologia é mais expedita quando comparada com a PCR convencional.
Em 2013 deu-se início à parceria com a empresa Biopremier visando consolidar e desenvolver as competências do LM nas metodologias de Biologia Molecular, nomeadamente na área da autenticidade alimentar. Em 2014, com a assinatura do protocolo com a empresa Biopremier, o laboratório alargou a sua atividade a um âmbito distinto do até aí em prática – a autenticidade alimentar. Foram assim implementadas a deteção e quantificação do ADN das espécies cavalo, vaca, porco, galinha, peru, pato, ovelha e cabra por PCR em tempo real. Em outubro o LM deu início às análises de autenticidade alimentar no âmbito o Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA).
Material, Métodos e Resultado
Material
Foram analisadas 153 amostras de géneros alimentícios colhidas no âmbito do Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA) no período entre Outubro de 2014 e Maio de 2015.
Métodos
- Extração de ADN:
- NucleoSpin® Food by MACHEREY-NAGEL
- Deteção e Quantificação de espécies animais:
- Food Safe Goat DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Horse DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Chicken DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Lamb DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Duck DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Turkey DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Swine DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- Food Safe Cow DNA Detection Kit da BIOPREMIER
- PCR em tempo real
- Termociclador: CFX96 Touch™ Real-Time PCR Detection System
- Condições de PCR: A reação de PCR é constituída por 18 µL de mix e 2 µL de ADN extraído. A concentração do ADN extraído é de cerca de 25 ng/µL.
O protocolo de amplificação utilizado é:
- Espécies de cavalo, porco, peru e galinha
- Desnaturação inicial – holding a 50 ºC durante 2 min., desnaturação a 95 ºC durante 5 min. Amplificação (30 ciclos) – desnaturação a 95 ºC durante 30 s, annealing a 60 ºC durante 30 s, extensão a 72 ºC durante 30 s.
- Espécies de vaca, ovelha e cabra
- Desnaturação inicial – holding a 50 ºC durante 2 min., desnaturação a 95 ºC durante 5 min. Amplificação (30 ciclos) – desnaturação a 95 ºC durante 30 s, annealing a 52 ºC durante 30 s, extensão a 72 ºC durante 30 s.
- Espécie de pato
- Desnaturação inicial – holding a 50 ºC durante 2 min., desnaturação a 95 ºC durante 5 min. Amplificação (30 ciclos) – desnaturação a 95 ºC durante 30 s, annealing a 56 ºC durante 30 s, extensão a 72 ºC durante 30 s.
- Limite de deteção:
- Espécies de cavalo, porco, galinha, peru, pato, ovelha e cabra – 0,1%
- Espécie de vaca – 0,5%
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Resultados
Foram analisadas 153 amostras de géneros alimentícios.
As determinações realizadas em cada amostra são selecionadas de modo a verificar a conformidade com o referido na rotulagem. Sempre que é detetada uma espécie não referida na rotulagem é realizado a quantificação do ADN presente. Se o valor da quantificação for inferior a 1 % considera-se a contaminação adventícia e a amostra é considerada conforme. Foram realizadas 486 determinações das quais 471 ensaios de deteção de espécies animais e 15 ensaios de quantificação. Nos gráficos 1 e 2 estão sumarizados os resultados das determinações realizadas.
Neste curto período em que se realizaram os ensaios das 153 amostras 5 não estavam de acordo com o descrito rótulo. A importância das autoridades de controlo alimentar realizarem e manterem uma vigilância rigorosa do mercado é uma ferramenta essencial para o controlo deste tipo de fraudes.
Nesta prestativa é relevante a realização destes métodos pelo Laboratório Microbiologia da ASAE e a manutenção desta capacidade analítica e a implementação de novos métodos permitirá reforçar a capacidade de intervenção da ASAE nesta área.
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Referências
- Ballin, N. Z. (2010). Authentication of meat and meat products – A review. Meat Science, 86, 577-587.
- Johnson, H. (1989). Vintage: The Story of Wine. Simon and Schuster. pg 64– 67
- Nakyinsige, K., Che Man, Y. B., Sazili, A. Q. (2012). Halal authenticity issues in meat and meat products – A review. Meat Science, 91, 207-214.
- Premanandh, J. (2013). Horse meat scandal – A wake-up call for regulatory authorities. Food Control, 34, 568-569.
- Primrose, S., Woolfe, M., Rollinsona, S. (2010). Food forensics: methods for determining the authenticity of foodstuffs. Trends in Food Science & Technology, 21, 582-590.
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Fonte (ASAE): bit.ly/1CsleGm
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