Perigos em laticínios

O consumo de leite e produtos lácteos constitui uma parte significativa da dieta dos portugueses.

A segurança alimentar no leite e produtos lácteos tem sido objeto de muitos estudos, tendo sido dispensada muita atenção por parte dos intervenientes na cadeia, desde a produção primária até ao controlo por parte das entidades oficiais.

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  • Perigos Microbiológicos

Há uma vasta gama de perigos microbiológicos que podem ser introduzidos durante a produção e transformação do leite. Existe uma grande variedade de bactérias presentes no mesmo, quer introduzidos diretamente, aquando da ordenha, quer como resultado de doença do úbere ou do próprio animal. Existem assim fatores que têm um impacto mais ou menos significativo sobre a qualidade do leite cru, nomeadamente:

– Fatores relacionados com os animais, (saúde animal, tamanho do rebanho, idade, estado de produção);

– Fatores ambientais, (alojamento dos animais, manuseio dos mesmos, higiene da exploração, água de consumo dos animais, alimentação);

– Método de ordenha: o método de ordenha e o armazenamento do leite estão intimamente relacionados com o crescimento de microrganismos, especialmente no que diz respeito à higiene dos equipamentos envolvidos, e no que concerne ao arrefecimento do leite e à manutenção da cadeia de frio. O conjunto destes fatores e o seu controlo vai influenciar o teor de bactérias no leite.

Normalmente as bactérias necessitam existir em grande número nos alimentos para causarem doenças. Em casos especiais de consumidores com maior sensibilidade (crianças, grávidas, idosos e imunodeprimidos), o agente capaz de causar doença pode existir em pequenas quantidades nos alimentos e mesmo assim conduzir à doença.

São muitos os perigos biológicos associados ao leite, nomeadamente os associados às seguintes bactérias:

• Brucella abortus e B. melitensis
• Campylobacter jejuni
• Escherichia coli 0157:H7
• Salmonella spp.
• Yersinia enterocolitica
• Clostridium botulinum e C. perfringens
• Listeria monocytogenes
• Staphylococcus aureus
• Bacillus cereus
• Mycobacterium bovis e M. tuberculosis

A pasteurização é um método de sucesso que foi introduzido para eliminar muitos dos agentes que podem causar doença através do leite e produtos lácteos. Hoje em dia, os principais perigos microbiológicos associados ao leite e seus derivados estão controlados, tornando deste modo seguros os alimentos que consumimos no dia a dia. Os dados da investigação indicam que os agentes microbianos patogénicos mais importantes são destruídos, com uma margem razoável de segurança, pela pasteurização.

A aplicação de programas de segurança alimentar, incluindo Boas Práticas de Fabrico e Boas Práticas de Higiene, é fundamental para limitar o potencial dos agentes microbianos patogénicos na possível contaminação dos produtos lácteos após a pasteurização.

Destacam-se três doenças que pela sua frequência e gravidade merecem destaque:

  • Brucelose

 A Brucelose é uma zoonose, ou seja é uma doença que se transmite do animal para o homem, na qual a infeção humana se deve a uma exposição direta ou indireta à infeção animal. Há vários serotipos de Brucela, da qual se destacam Brucella melitensis, Brucella abortus, Brucella suis e Brucella canis, que são as responsáveis pela infeção humana. A incidência e a distribuição geográfica desta doença de declaração obrigatória estão associadas ao seu padrão geográfico de distribuição na forma animal. Esta doença aparece com maior frequência no período da primavera, com um pico de diagnóstico de novos casos no segundo trimestre do ano, coincidindo aparentemente com o aumento da quantidade de leite cru disponível para consumo e transformação nas explorações pecuárias de pequenos ruminantes.

Nos animais, a brucelose revela‐se uma doença crónica, pois uma vez o animal infetado, a infeção permanece para toda a sua vida produtiva. Uma vez que esta bactéria se aloja essencialmente nos órgãos reprodutores, é espectável que a esterilidade e os abortos sejam manifestações frequentes. Apesar desta enfermidade se manifestar em agricultores, veterinários, trabalhadores dos centros de abate e técnicos de laboratório, as vias de transmissão humana incluem o contacto direto com animais (60 % dos casos) ou o contacto com as suas secreções, através de soluções de continuidade cutâneas, aerossóis contaminados, inoculação no saco conjuntival ou ingestão de produtos não pasteurizados (25% dos casos).

Cuidados apertados de higiene para quem manipula animais sensíveis à doença, pasteurização do leite e consumo de queijo produzido com leite pasteurizado, reduzem significativamente o risco de infeção. A prevenção da doença em humanos está intimamente ligada ao controlo e erradicação da doença nos animais. Existe um Plano de erradicação desta doença nos ruminantes que está sob a responsabilidade da Direção Geral de Alimentação e Veterinária.

Os produtos lácteos desfrutam de uma reputação de altos padrões de qualidade e segurança. Nos últimos anos tem havido poucas falhas relatadas que tenham conduzido a casos de doenças transmitidas por alimentos atribuíveis aos produtos lácteos existentes no mercado. Apesar dos produtos lácteos não pasteurizados terem sido uma causa de surtos de doenças associadas aos lacticínios, os produtos lácteos pasteurizados têm também sido implicados nestas patologias, essencialmente em situações onde tenham existido pobres medidas de controle de segurança dos alimentos, incluindo o uso de ingredientes não lácteos contaminados, processos de pasteurização com defeito, e falta de higiene ou contaminação após a pasteurização.

  • Listeriose

L. monocytogenes tem história e reputação de causar grandes surtos de infeções nos produtos lácteos, com evidência para um surto em 1985 nos EUA, a partir de queijo de estilo mexicano suave, que afetou 142 pessoas e causou 48 mortes, e para um outro surto na Suíça, a partir do queijo Vacherin Mont D’Or, que afetou 122 pessoas e causou 34 mortes.

Listeria monocytogenes, habitante comum das unidades de processamento de leite, é eliminada pela pasteurização, sendo por conseguinte a principal preocupação a contaminação pós‐pasteurização.

  • Salmonelose

É uma doença infeciosa causada por uma bactéria do género Salmonella, da família Enterobacteriaceae. Existem muitos tipos diferentes de salmonelas sendo que algumas delas não são patogénicas. A salmonela é encontrada principalmente nas fezes humanas e animais. É transmitida, portanto, através da ingestão de alimentos contaminados por material fecal. Se estiver presente falta de higiene, alimentos como aves, leite, carne, ovos, verduras e frutas podem conter esta bactéria.

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.Perigos Químicos

Os perigos químicos estão presentes sob várias formas, nomeadamente sob a forma de resíduos de antibióticos e outras drogas veterinárias, pesticidas, minerais inorgânicos, como chumbo e mercúrio, micotoxinas (metabolitos tóxicos produzidos por algumas espécies de bolores), detergentes e desinfetantes. A origem destes pode ficar a dever‐se a um mau maneio de medicamentos veterinários, já que se os intervalos de segurança não forem respeitados poderá existir a possibilidade de entrarem na cadeia alimentar. Ressalve‐se que a indústria dos lacticínios tem mecanismos de controlo a nível de entrada de leite nas unidades, que permitem a eliminação do leite com resíduos de antibióticos e consequente destruição, anulando deste modo a sua entrada na cadeia de produção. Para além deste fator, uma possível contaminação de rações para os animais, deficientes práticas no manuseio de substâncias químicas, equipamentos, recipientes e transporte, contribuem também para o elencar dos perigos İsicos nos lacticínios. Finalmente, os fatores ambientais podem também ter influência por via da contaminação do solo, das pastagens e da água.

Este tipo de perigos, se prolongados mas com exposições moderadas, podem conduzir a:
• Lesões neurológicas;
• Lesões renais e hepáticas;
• Neoplasias;
• Defeitos congénitos.

Se as exposições acontecerem em níveis elevados, podem conduzir a:
• Doenças agudas graves, nomeadamente insuficiência renal e hepática;
• Lesões neurológicas, muitas vezes irreversíveis;
• Aborto.

Os perigos químicos não são destruídos pela pasteurização, e constituem um grave problema de saúde pública. As empresas apresentam nos seus planos de HACCP mecanismos de prevenção e controlo para os anular ou minimizar.

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Perigos Físicos

A probabilidade de introdução de perigos físicos na produção primária, que acabem por ser introduzidos nos produtos acabados, é mínima. A introdução de perigos físicos a nível das unidades de produção de produtos lácteos é extrema‐ mente reduzida, pois as boas práticas de fabrico associadas à formação do pessoal, garantem que o risco de contaminantes físicos, através de objetos pessoais como peças de adorno masculinas ou femininas, é mínimo. Os perigos físicos são representados por corpos estranhos ou outro tipo de materiais que não devem estar presentes nos produtos acabados. Estão incluídos nestes materiais, pedaços de pedra, mais precisamente areias, pedaços ou fragmentos de metal, plástico ou vidro, ossos, fragmentos de madeira e adornos. Toda a cadeia produtiva é susceptível à introdução deste tipo de perigo. As principais consequências destes perigos são a quebra de dentes, cortes na língua, engasgamentos e perfurações a nível do tubo digestivo.

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Intolerâncias alimentares

No capítulo das intolerâncias, o leite pode provocar dois tipos de patologias muito semelhantes na sintomatologia, mas contudo distintas na etiologia: a Intolerância à Lactose (IL) e a Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV).

Intolerância à Lactose é o termo que define a dificuldade ou a impossibilidade que algumas pessoas possuem em digerir produtos lácteos, leite e seus derivados, e que se traduz pela dificuldade ou pela incapacidade de digerir a lactose, o açúcar do leite, devido à ausência ou à quantidade insuficiente da enzima digestiva lactase no seu sistema digestivo. Existem níveis diferentes de intolerância à lactose, já que a quantidade de enzima lactase produzida pelo corpo humano varia de pessoa para pessoa. Algumas pessoas possuem uma deficiência mínima na produção da enzima, ao passo que outras simplesmente não a produzem. Com base na sua etiologia existem três tipos distintos de intolerância à lactose.

A hipolactasia de origem congénita, mais incomum, e que acontece logo após o nascimento, consiste numa doença genética, autossómica recessiva, que se manifesta desde o nascimento com diarreia importante e acidose metabólica.

A deficiência secundária de lactase que ocorre depois de doenças do foro intestinal que provoquem lesões e atrofia das vilosidades da mucosa do intestino delgado, como a doença celíaca, a doença de Crohn e infeções intestinais agudas, estas bastante comuns em crianças no primeiro ano de vida, normalmente transitória, na qual se observa uma melhoria do quadro gastrointestinal quando a quantidade da lactase volta ao normal.

A última, e a mais frequente, é a deficiência primária, na qual há um declínio, geneticamente determinado, nos níveis da lactase a partir dos dois ou três anos de idade, que evolui de forma gradual até à idade adulta, e que se traduz na diminuição progressiva da capacidade de digestão da lactose. Dada a sua origem genética, a prevalência da intolerância à lactose varia muito de população para população. Esta intolerância aparece em cerca de um quarto da população europeia e praticamente em toda a população asiática adulta. As populações da Europa do norte têm as menores prevalências de IL, cerca de 5%, as da Europa Central 30%, e as da Europa do Sul cerca de 70%. Os Asiáticos e os Africanos são afetados em 90%.

A Alergia à Proteina do Leite de Vaca é caracterizada pela reação do sistema imunológico quando o organismo entra em contacto com a proteína do leite de vaca. As principais proteínas do leite de vaca implicadas na resposta alérgica são as caseínas (frações αS1, αS2, β e κ) e as proteínas do soro, β‐ lacto globulina e α‐lactoalbumina. De salientar que a proteína do leite de vaca e a do leite de cabra têm muitas semelhanças, podendo ter cerca de 80% de proteínas similares, e que portanto a grande maioria dos casos de indivíduos alérgicos ao leite de vaca também o é ao leite de cabra. Cerca de 30% dos portadores de APLV desenvolve também alergia à soja. Grande parte dos casos de alergia ao leite de vaca ocorre no primeiro ano de vida. A tolerância a este alimento é muito variável e depende principalmente da herança genética, já que cerca de dois terços das crianças com APLV têm antecedentes atópicos em familiares do primeiro grau.

A APLV tem manifestações de gravidade variável na infância, dependentes do tipo de resposta imunológica, podendo as reações ser imediatas, quando mediadas pela IgE, que ocorrem de minutos até duas horas após a ingestão do alimento, ou tardias, quando não mediadas pela IgE, que ocorrem 48 horas ou até uma semana após o contacto. Ambos os tipos podem estar presentes no mesmo indivíduo. A APLV é uma das poucas alergias onde pode ocorrer a remis‐ são completa do quadro, e desta forma uma grande parte dos alérgicos ao leite adquirem, com o tempo, tolerância a este alimento e aos seus derivados.

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Conclusão

Uma ampla gama de perigos microbiológicos pode estar associada ao leite cru e aos produtos lácteos, mas estes não representam um problema significativo pois estão salvaguardados outros pontos, nomeadamente:

• O controle da saúde animal;
• A adesão a boas práticas de ordenha;
• Um tratamento térmico eficaz (por exemplo, a pasteurização);
• O controle para evitar a contaminação pós‐pasteurização.
• Hoje, estão implementadas medidas de gestão de risco, que asseguram que os microrganismos patogénicos não são susceptiveis de estar presentes em grande número no leite cru. Associado a este fato outros passos estão ainda salvaguardados:
– A pasteurização durante o processo de fabrico fornece a etapa letal para eliminar de forma eficaz todas as bactérias patogénicas;
• Existem amplas medidas regulamentares em vigor ao longo da cadeia produtiva da indústria de lacticínios, que permitem encarar com preocupações mínimas a nível de saúde pública e de segurança, o uso ou a presença de produtos químicos em produtos lácteos;
• A ampla monitorização de resíduos químicos no leite tem demonstrado ao longo de muitos anos um alto nível de conformidade com os regulamentos;
• Os produtos lácteos têm uma excelente reputação para a segurança alimentar;
• A continua monitorização, particularmente dos programas para produtos químicos ao longo da cadeia de produção primária, irá garantir que a indústria de lacticínios continue a manter um alto padrão de segurança e saúde pública.

A implementação de programas de segurança alimentar baseados nos princípios HACCP ao longo da cadeia de produção, distribuição e venda de produtos lácteos, tem contribuído para o excelente histórico de segurança de produtos lácteos. Estes programas, quando combinados com melhorias nas práticas de produção primária que gerem eficazmente a saúde animal, com as boas práticas de ordenha, e com as melhorias na higiene dos equipamentos de ordenha e das instalações, têm sido e continuarão a ser decisivos na redução da carga microbiana no leite cru.

De forma decisiva, a rotulagem detalhada contribuiu também para que os consumidores estejam mais informados e atentos, e consigam evitar a ocorrência de desordens alimentares atribuíveis ao consumo de produtos lácteos.

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Fonte (ASAE): bit.ly/1CsleGm

 

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Márcia Cardoso

Márcia Cardoso

Márcia Cardoso, licenciada em Marketing. Actualmente desenvolve funções na Ábaco Consultores.  Visualizar perfil de Márcia Cardoso

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