A Saúde Ocupacional objetiva um trabalhador saudável e seguro, sem doenças ligadas ao trabalho nem acidentes ou doenças naturais e com um satisfatório bem-estar. Tal pressupõe o concurso de várias áreas de conhecimento dada a complexidade das relações entre o trabalho e a saúde (doença) que determina o concurso dessas áreas disciplinares (transdisciplinaridade) essencialmente centradas no ambiente e/ou nas pessoas. De facto, a interação entre os múltiplos elementos que constituem as situações de trabalho e a atividade do trabalhador justifica, quase sempre, essa interdisciplinaridade.
A ocorrência dos acidentes de trabalho, que coloniza a atenção de todos em matéria de SHSTLT, não esgota os efeitos negativos que o trabalho pode acarretar para a saúde. Abrange também um importante leque de situações que, para além das doenças profissionais e das doenças relacionadas (e agravadas) pelo trabalho, incluem ainda inúmeros aspetos relativos a relações ainda mal conhecidas como é o caso dos efeitos da exposição a novas substâncias químicas, ou as potenciais repercussões na saúde de novos métodos de trabalho, e ainda a aspetos incompletamente definidos como as algias (por exemplo as cefaleias, as raquialgias ou as lombalgias), a fadiga ou a carga de trabalho (“workload”).
Tradicionalmente a abordagem prevalente em Saúde, Higiene e Segurança dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho (SHSTLT) é uma abordagem centrada nos “fatores de risco de natureza profissional” (agora também denominados “perigos”) que catalisa a atenção dos técnicos diretamente dedicados à avaliação e gestão dos riscos daí decorrentes. E mesmo assim maioritariamente os fatores de risco de natureza física (incluindo os mecânicos) e química.
A Medicina do Trabalho e outras disciplinas centradas essencialmente nos indivíduos intervêm, frequentemente, não tendo em conta a componente ambiental, “refugiando-se” na “segurança” das metodologias da sua especialidade, por exemplo exercida em consultórios, “desprezando” muitas vezes o respetivo contexto real de trabalho.
O resultado final da interdisciplinaridade na avaliação e na gestão dos riscos profissionais é, por certo, mais rigoroso e eficaz que o resultado das abordagens sectoriais isoladas das diversas disciplinas ou áreas científicas. De facto, qualquer situação de risco no trabalho tem sempre um conjunto de fatores na sua origem, incluindo obviamente as variáveis individuais. Dito de outra forma, as condições de trabalho e a atividade desempenhada incluem sempre o trabalhador com as suas próprias características.
Mais ainda, o trabalhador deve ser sempre o centro das preocupações de quem se dedica ao estudo das relações trabalho/saúde (doença) em qualquer área científica da SHSTLT, devendo ser respeitado na sua “individualidade” e, em geral, respeitada a sua dignidade.
Assim como a saúde é, em parte determinada por crenças coletivas e por atitudes e comportamentos dos indivíduos, as inter-relações trabalho/ saúde (doença) são também influenciadas pela maior ou menor (des)valorização das pessoas e do trabalho e, por maioria de razões, dos aspetos relacionados com a sua interdependência e interação.
A intervenção transdisciplinar da SHSTLT não é, pelo que fica dito, um “estilo” de intervenção mas sim o produto da necessidade dessa abordagem em função da complexidade das situações de trabalho, se a perspetiva da intervenção se centrar na proteção da saúde e segurança de quem trabalha. Dito de outra forma, a transdisciplinaridade é uma necessidade e não uma “opção”, muito menos, de natureza ideológica.
Referências bibliográficas
- Sousa-Uva, A. (2010), Diagnóstico e Gestão do Risco em Saúde Ocupacional. Lisboa: Autoridade para as Condições de Trabalho-ACT.
- Sousa-Uva, A. (ed.) (2011), Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, Lisboa: Petrica Editores.
- Sousa-Uva, A.; Serranheira, F. (2013), Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar. Lisboa: Diário de Bordo.
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A nossa área de conhecimentos está cheia de casos destes em que a adopção de certas terminologias adensa a “confusão” sobre os assuntos … É também o caso de factor de risco e agora do “perigo” que também é usado. Em inglês existem três conceitos: “hazard”, “danger” e “risk”.
Penso que é uma consequência da insuficiente criação e divulgação de conhecimento na nossa área científica.
Saúde e Medicina não são sinónimos.
De facto não são… mas para a sociedade em geral saúde é não estar doente.