Recentemente uma notícia, de resto abordando um tema semelhante a outra do último trimestre de 2014, referia (Sul Informação, 11 de Agosto de 2015 – 9:58):
“… duas enfermeiras do serviço de Urgência do Hospital de Portimão foram recentemente diagnosticadas com Tuberculose, denunciou o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP)… A situação foi detetada em Maio, altura em que uma das profissionais de saúde começou a manifestar alguns sintomas da doença …”
Eu próprio ouvi num serviço noticioso da semana passada (RTP, 2015) uma “peça” sobre o mesmo assunto e declarações do Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve, EPE.
Em países com uma taxa de incidência de tuberculose inferior a 50/100.000, como é o caso de Portugal (cerca de 20/100.000), os novos casos de tuberculose em profissionais de saúde parece ser superior à da população em geral. Baussano estimou uma incidência nesse grupo de trabalhadores de aproximadamente 67 casos /100.000 (Baussano, 2011; Shapovalova et al. no prelo) e Duarte e Diniz citados por Oliveira (2014), referem que em Portugal se tem registado, nos últimos anos, uma incidência inferior de tuberculose entre profissionais de saúde.
A tuberculose continua a ser um problema importante de Medicina do Trabalho e de Saúde Ocupacional sobretudo entre os profissionais de saúde portugueses ainda que o foco de atenção das doenças causadas por agentes microbiológicos se continue a centrar nas doenças transmitidas por contato com o sangue ou derivados, designadamente o vírus da SIDA e os vírus de hepatites. As doenças transmitidas por via aérea são menos valorizadas.
Poder-se-á achar “normal” os profissionais de saúde poderem ter tuberculose profissional, como se poderá achar “normal” um trabalhador que trabalhe com chumbo adoecer com um saturnismo ou outro exposto a ruído contrair surdez profissional.
Um médico do trabalho achará normal que nem um trabalhador exposto a chumbo adoeça com um saturnismo, nem um técnico de saúde que preste cuidados a um doente portador de tuberculose venha a contrair tuberculose nem um exposto a ruído contrair surdez. A razão dessa diferente forma de olhar para a mesma realidade reside na assunção que a metodologia de gestão de riscos profissionais, ainda que frequentemente não reduza a zero esse risco, é muito eficaz na diminuição da probabilidade da sua ocorrência.
Imagine-se a mesma “normalidade” em profissionais de saúde expostos a radiações ionizantes e as patologias relacionadas com essa exposição sem o rigoroso cumprimento de medidas básicas (ou muito sofisticadas) de prevenção desses efeitos. Regressaríamos ao início do século 20 do século passado com muitos casos de efeitos estocásticos de grande gravidade causados pela exposição a radiações.
O que deve ser normal (no sentido de esperável) é que a prevenção dos riscos profissionais em hospitais (e outros contextos profissionais) seja inerente às boas práticas da prestação de cuidados e que esgotadas essas medidas os eventuais casos sejam identificados (e tratados se for caso disso), quer na perspetiva individual, quer na perspetiva da Saúde Pública.
As doenças causadas por agentes microbiológicos são uma realidade quase tão esquecida como as causadas por agentes psicossociais a que nestes tempos damos (e bem) tanta atenção no contexto da campanha europeia.
Extraído o contexto concreto e o eventual aproveitamento de tais tipos de situações o que não deveria ser normal é acharmos normal a ocorrência de qualquer doença profissional porque a sua prevenção deveria ser a grande prioridade.
Brás de Alportel, 14 de agosto de 2015
Bibliografia
- Baussano, I et al. Tuberculosis among healthcare workers. Emerging Infectious diseases Journal. 17:3, 488–494.
- Oliveira, T. 2014. Infeção por Mycobacterium tuberculosis em profissionais de saúde: metodologia de avaliação do risco e sua aplicação num hospital central. XV Mestrado de Saúde Pública. Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, 82 pp.
- Disponível em: http://www.rtp.pt/noticias/pais/infetadas-com-tuberculose-duas-enfermeiras-das-urgencias-de-portimao_v850581. Consultado em 13.08 2015.
- Shapovalova, O. et al. Tuberculose latente em Profissionais de Saúde: concordância entre dois testes diagnósticos. Revista Portuguesa de Saúde Pública (aceite para publicação).
- Sousa-Uva, A.; Serranheira, F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar. Lisboa: Diário de Bordo.
- Sul Informação, 11 de Agosto de 2015 – 9:58. Disponível em: http://www.sulinformacao.pt/2015/08/sindicato-denuncia-novos-casos-de-enfermeiros-com-tuberculose-em-portimao/. Consultado em 13 de agosto de 2015.
- +COVID-19: 500 milhões de casos e mais de 6 milhões de mortes - 27 Abril, 2022
- +COVID-19: o gap entre o necessário e o possível mantém-se! - 17 Março, 2022
- +COVID-19: dentro de cerca de uma semana atingiremos 400 milhões de casos registados! - 1 Fevereiro, 2022