Avaliação de um programa de ginástica laboral com três anos e meio de evolução

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INTRODUÇÃO

Devido à evolução ocorrida em algumas profissões, sujeitas a risco outrora menos significativos ou até inexistentes, verificou-se um aumento na prevalência de algumas doenças profissionais e acidentes de trabalho. Parte dessas situações poderia ser atenuada se as condições de trabalho fossem mais favoráveis e se os trabalhadores estivessem melhor adaptados às tarefas. Uma das ferramentas ainda pouco usadas no nosso país nesse sentido é a Ginástica Laboral (GL).

GL é um conjunto de atos físicos, selecionados em função dos riscos e caraterísticas da atividade profissional, de forma a compensar as estruturas mais utilizadas e a ativar as não (ou pouco) usadas, através de exercícios com intensidade suave, diminuindo a fadiga e as algias, em função das condições existentes. É uma estratégia de prevenção de doenças profissionais e acidentes de trabalho, em coordenação com a Ergonomia.

A Revolução Industrial criou novas formas de organizar o trabalho, genericamente mais exigentes para o funcionário, física e/ou emocionalmente; enfatizando a necessidade de maior produtividade ao menor custo.

Acredita-se que ela surgiu como “ginástica de pausa”, na Polónia, em 1925. Nos anos seguintes difundiu-se para outros países europeus, bem como EUA e Japão. Este último proporcionou-lhe uma grande evolução, na medida em que desde as primeiras décadas do século vinte já havia atingido um patamar de desenvolvimento industrial considerável, caraterizado por horários extensos, fragmentação da tarefa, chefias rígidas, pouco repouso e pouco lazer. Contudo, só após a segunda Guerra Mundial é que o conceito se alargou a todo o país; divulgação essa para a qual também contribui a Radio Taisso, que associava a GL a música própria. Posteriormente tornou-se obrigatória, tendo surgido os primeiros estudos em larga escala por volta de 1960, onde se comprovou a diminuição dos acidentes de trabalho, maior produtividade e bem-estar dos trabalhadores. Ela era praticada não só nos locais de trabalho, mas também nas ruas e domicílios, se aí estivessem os indivíduos nas horas das sessões-rádio.

A GL pode ser dividida em preparatória (ou aquecimento), compensatória (ou pausa) e relaxante. A versão preparatória é proporcionada no começo do turno e tem o objetivo de preparar as estruturas músculo-esqueléticas (MEs) que serão mais solicitadas; de certa forma “aquece” e desperta o funcionário. A GL compensatória ou de pausa é realizada a meio do turno, antes ou após um intervalo para uma refeição e também tem o objetivo de compensar as estruturas MEs mais utilizadas. Simultaneamente, potencia a circulação sanguínea, modifica as posturas de trabalho e diminui a fadiga e a dor. Está particularmente indicada para trabalhos com movimentos repetitivos. Poderá também ser realizada no formato de micropausas de 30-60 segundos. A GL relaxante é executada no final do turno, com o objetivo de aliviar os cansaços físico/emocional e as alterações MEs.

MATERIAL E MÉTODOS

Descrição da empresa

O estudo decorreu numa empresa têxtil, especializada em artigos para desportos de inverno, austríaca, com filiais em inúmeros países. Os principais riscos ergonómicos são a repetibilidade de movimentos, manuseamento de cargas e as posturas mantidas.

Os seus funcionários podem ser divididos em dois grandes grupos: os trabalhadores com cargos no escritório e os que têm cargos na produção; estes últimos podem ser estratificados em funcionários de armazém, com tarefas realizadas maioritariamente “de pé” e os restantes, maioritariamente “sentados”.

Tipo de estudo

Estruturou-se um estudo analítico, prospetivo e longitudinal, para averiguar se a GL poderia ser útil na redução da perceção da dor, parestesias e cansaços físico/emocional. Exploraram-se ainda mudanças de comportamento associadas à prática regular de exercício e a satisfação dos trabalhadores relativamente à GL e ao empregador.

População em estudo

O programa de GL teve início em março de 2010 e teve uma adesão de 100% (n=67), constituindo essa a população inicial. Três anos e meio após, verificaram-se grandes alterações, devido ao fluxo de entradas, saídas e reentradas de trabalhadores.

Programa de Ginástica Laboral

A GL de pausa manteve exercícios de flexibilidade/ alongamentos estáticos e auto-assistidos ou passivo-assistidos, escolhidos de acordo com as tarefas dos três grupos; bem como exercícios de desenvolvimento de força e relaxamento, que evoluíram consoante a prestação do grupo.

As sessões foram orientadas por um licenciado em Educação Física (que ainda se mantém em funções presentemente) e decorreram antes da interrupção para o lanche da manhã, cerca de duas horas depois do início do turno.

Recolha de dados

Para evitar erros de registo por má perceção ou pouca motivação em responder, as respostas foram obtidas por entrevista isolada com cada funcionário.

O formulário estava organizado em quatro partes principais: dados sociodemográficos; status físico/ psicológico dos funcionários; mudanças comportamentais face à atividade física e satisfação face à GL e empregador.

A participação no estudo foi livre e voluntária, sujeita a um esclarecimento e consentimento informado.

Tratamento estatístico

No tratamento estatístico usou-se o software SPSS21, considerando-se estatisticamente significativas as análises cuja probabilidade de significância fosse inferior a 0,05.

Para a análise inferencial, atendendo ao número de participantes e ao tipo de variáveis, utilizaram-se testes não paramétricos. No caso de variáveis ordinais, usou-se o teste de Mann-Whitney para comparar as funções de distribuição de uma variável medida em duas amostras independentes; o teste de Kruskal-Wallis para comparar mais de duas amostras independentes; o teste de Wilcoxon para avaliar a significância da diferença entre duas medições emparelhadas ou o teste de Friedman nas situações em que se testou a significância da diferença entre múltiplas medições emparelhadas. No caso das variáveis nominais usou-se o teste exato de Fisher, para amostras independentes, onde a tabela de contingência revelou valores inferiores a 5 e o teste de Cochran, para amostras emparelhadas; por último, para medir a intensidade da relação entre variáveis ordinais, recorreu-se ao coeficiente de correlação de Spearman.          

RESULTADOS

A GL, tal como registado na maioria da bibliografia consultada, também nesta empresa se revelou muito útil no sentido de diminuir as algias. Aliás, nos primeiros seis meses, erradicou-se a dor em seis das dez áreas anatómicas estudadas, sendo que nas restantes quatro zonas, esta apenas abarcava um ou dois trabalhadores e, destes, nenhum assinalava dor muito intensa. No final dos três anos e meio não existia dor em metade das áreas corporais avaliadas e, nas restantes, eram escassos os trabalhadores que assinalavam algias, apesar do acréscimo que o ritmo de trabalho sofreu. A diminuição da dor foi estatisticamente significativa em oito dos dez locais analisados.

Não se encontraram RESs (relações estatisticamente significativas) entre a intensidade da dor e o género. Contudo, todas as avaliações efetuadas com este último poderão estar enviesadas, em função da desigual distribuição na amostra.

Não se verificaram RESs entre a intensidade da dor e a idade.

Detetaram-se algumas RESs entre a intensidade da dor e o tipo/posto de trabalho, nomeadamente entre a dorsalgia, lombalgia, braquialgia e a dor nas pernas, com o trabalho executado predominantemente de pé, mas apenas antes do início da GL.

As parestesias dos membros superiores diminuíram ao longo dos três anos e meio, ainda que de forma não linear ou estatisticamente significativa; no início do programa de GL 42,9% dos indivíduos referia tal, sendo que no final desta avaliação esse valor passou para 28.6, sendo que em T1 foi de 4,8%.

Não se encontraram quaisquer RESs entre as parestesias e o género ou tipo/posto de trabalho.

Os cansaços físico/ emocional diminuíram ao longo dos três anos e meio, ainda que de forma não linear (existiu um aumento entre T1 e T2) e de forma estatisticamente significativa apenas para o cansaço emocional, eventualmente devido ao agravamento das condições de trabalho.

Não se encontraram RESs entre os dois cansaços com o género ou idade.

Quanto ao tipo de posto/ trabalho, encontrou-se uma RES entre o trabalho executado predominantemente de pé e o cansaço físico, mas apenas antes do início da GL.

A prática de caminhada (sobretudo) e de outros exercícios organizados aumentou à medida que o programa de GL decorreu, mas não de forma estatisticamente significativa. A evolução da atividade física não se demonstrou dependente do género, idade ou tipo/ posto de trabalho.

A opinião dos trabalhadores acerca da GL, apesar de muito positiva desde o início, melhorou ao longo do projeto, ainda que não de forma linear e com significância estatística apenas entre T0 e T1.

Quanto à duração das sessões, numa fase inicial 67% desejava que o tempo dedicado à GL fosse aumentado (através do número de sessões e/ou pela duração de cada sessão); percentagem essa que passou para 53 aos três anos e meio; contudo, nesse intervalo de tempo, a duração das sessões foi efetivamente aumentada, pelo que a pergunta ficou enviesada.

A satisfação com o empregador aumentou linearmente à medida que o programa de GL decorreu e de forma estatisticamente significativa, apesar de ser elevada desde o início e do aumento da carga de trabalho.

Quanto à manutenção ou não desta atividade na empresa, aos seis meses 90,5% gostaria de a manter para sempre, enquanto que aos três anos e meio esse valor passou para 95,2%.

Como aspetos mais positivos da GL aos seis meses, os trabalhadores destacaram (por resposta aberta) que era “tudo”; os que especificaram, mencionaram a diminuição da dor, melhoria na mobilidade, convívio, relaxamento e distração. Aos três anos e meio a última categoria superou a resposta “tudo”.

Quanto aos aspetos mais negativos, nesses mesmos tempos, 95,2% dos inquiridos afirmaram que a resposta (em pergunta aberta) era “nada”.

Correlacionando as diversas dores, obtiveram-se diversas RES, mas apenas antes do início do programa de GL.

CONCLUSÃO

A GL poderá constituir uma arma muito eficaz, beneficiando o trabalhador, empregador e os elementos da equipa de Saúde Ocupacional, estando ao alcance do Enfermeiro do Trabalho orientar um programa de Ginástica Laboral.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece a preciosa orientação do enfermeiro Armando Almeida, relativamente à escolha e execução dos testes estatísticos.

BIBLIOGRAFIA

– Saúde Ocupacional: Avaliação de um Programa de Ginástica Laboral com três anos e meio de evolução; Revista Nursing Magazine on line, maio de 2015.

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Mónica Santos

Mónica Santos

Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina do Trabalho; Especialista em Medicina Geral e Familiar e Mestre em Ciências do Desporto. Diretora Clínica da empresa Quércia (Viana do Castelo). A exercer Medicina do Trabalho também nas empresas Cliwork (Maia), Clinae (Braga), Medicisforma (Porto), Sim Saúde (Porto), Servinecra (Porto) e Radelfe (Paços de Ferreira).

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