4 de outubro, dia de comemoração da Medicina do Trabalho

Na próxima 2ª feira celebra-se mais um dia dedicado às relações entre o trabalho e a saúde/doença. Em alguns países, como é o exemplo do Brasil, esse dia, atribuído ao nascimento do médico italiano Bernardino Ramazzini celebra, efectivamente, o dia do médico do trabalho. Independentemente da maior ou menor correcção do dia de nascimento desse médico italiano (1) atribui-se a ele, no século XVII e início do século XVIII, a chamada de atenção para a relação entre determinadas doenças e determinadas profissões.

A publicação do livro sobre mais de cinquenta doenças dos trabalhadores (De Morbis Artificum Diatriba), em 1700, veio a determinar a necessidade de incluir na anamnese de qualquer exame clínico questões relacionadas com o trabalho. Algumas dessas doenças, como as lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT), principalmente as relacionadas com os gestos repetitivos foram descritas, por exemplo, em copistas, muitos deles monges, que copiavam manuscritos, antes da invenção da imprensa ou da tipografia.

Muitas outras doenças foram nesse livro descritas relacionadas, por exemplo, com diversas profissões como os mineiros, os douradores, os vidreiros, os padeiros ou os carpinteiros.

A chamada de atenção mais frequente daquelas relações entre o trabalho e a saúde/doença esgota-se nos nossos dias, quase sempre, nos acidentes de trabalho, principalmente os mortais que são por vezes notícia em telejornais, ainda que raramente tipificados como tal. Ficam sempre encobertas as doenças profissionais e outras doenças ligadas ao trabalho sempre muito pouco valorizadas.

Apesar disso, se for perspectivada a referida mortalidade, bastará recordar que só o cancro profissional ou o cancro em que os factores de risco profissionais integram a respectiva matriz etiológica são responsáveis por bastante mais óbitos do que os acidentes de trabalho mortais e julgo, pessoalmente, nunca ter ouvido qualquer notícia a esse propósito.

Porque será que não se atribui qualquer importância às doenças profissionais?

Bastará a evocação das doenças profissionais para a sua prevenção?

A baixa atenção que lhes é prestada não se relacionará, no essencial, com as grandes dificuldades no seu reconhecimento já que se confundem com as doenças naturais?

Não faltará criar e divulgar conhecimento sobre as doenças profissionais?

Teremos no nosso Sistema de Saúde dado suficiente atenção e desenvolvido modelos organizacionais para as evitar?

De facto, só se previne o que se conhece e poderá ser essa uma das explicações para a insuficiência reiterada de informação e formação sobre as doenças profissionais (e outras doenças ligadas ao trabalho) e a sua prevenção.

4 de outubro, independentemente do que está na sua origem ou da sua maior ou menor correcção, poderá ser mais uma oportunidade para, pelo menos, adquirir consciência que não faz qualquer sentido que se perca a vida a ganhá-la (2). Como se referiu o número de mortes por doença profissional (ou por outras doenças ligadas ao trabalho) é muito superior à dos acidentes de trabalho mortais e teimar em não o reconhecer é o primeiro passo para adiar a sua prevenção e perpetuar a sua existência e respectivos dispositivos de prevenção. Será isso que queremos?

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(1) Sociedade de Medicina del Trabajo de la Provincia de Buenos Aires. Bernardino Ramazzini: Dissertacion acerca de las enfermedades de los trabajadores. La Plata, 1987.

(2) Sousa-Uva A, Serranheira F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar? Lisboa: Diário de Bordo, 2ª ed., 2019.

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António de Sousa Uva

António de Sousa Uva

Médico do Trabalho, Imunoalergologista e Professor Catedrático de Saúde Ocupacional.

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